ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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31 de maio de 2011

Visitação de Nossa Senhora

A riqueza de conteúdo da festa de hoje, longe de ser apenas uma comemoração devocional, faz com que possamos abordá-la sob diversos ângulos.

[1] Muitos destacam a caridade como consequência prática de um encontro pessoal com Deus. Maria, ao saber do Anjo sobre a gravidez avançada de sua idosa parenta Isabel, imediatamente põe-se a caminho para prestar-lhe serviços necessários.

[2] Os apóstolos (para não dizer militantes) “pró-vida” que se dedicam à batalha contra a prática do aborto, apontam o importante detalhe da saudação de Isabel: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? (Lc 1, 42-43). O fato de Isabel ter chamado Maria de mãe e não de, por exemplo, “futura mãe”, confirma a convicção dos cristãos de que a vida de cada ser humano inicia-se no momento da concepção, pois já neste momento faz-se presente o sopro de Deus sobre a matéria, isto é, a alma de um novo ser.

[3] O Beato Papa João Paulo II atribui a Maria o título de “mulher eucarística” e nos ajuda a compreender o episódio da visitação de um novo jeito: De certo modo, Maria praticou a sua fé eucarística ainda antes de ser instituída a Eucaristia, quando ofereceu o seu ventre virginal para a encarnação do Verbo de Deus. (...) Maria antecipou também, no mistério da encarnação, a fé eucarística da Igreja. E, na visitação, quando leva no seu ventre o Verbo encarnado, de certo modo Ela serve de «sacrário» – o primeiro «sacrário» da história –, para o Filho de Deus, que, ainda invisível aos olhos dos homens, Se presta à adoração de Isabel, como que «irradiando» a sua luz através dos olhos e da voz de Maria. (João Paulo II, Encíclica Ecclesia de Eucharistia, n° 55).

[4] Como, porém, a Providência Divina inseriu a Festa da Visitação de Maria na proximidade de Pentecostes e o próprio acontecimento revela coisas importantes sobre a ação do Espírito Santo, é justo que leiamos o texto do Evangelho (Lc 1, 39-56), também nessa perspectiva. Já mencionado fenômeno sobrenatural de Isabel ter a revelação da verdadeira identidade de sua jovem parenta, mostra a interevenção do Espírito Santo: Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. (v. 41). Podemos notar certa analogia entre este acontecimento e uma conversa de Jesus com os discípulos: Jesus (...) perguntou aos discípulos: “Quem é que as pessoas dizem ser o Filho do Homem?” (...) “E vós, quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Jesus então declarou: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne e sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. (Mt 16, 13. 15-17). Tanto Isabel quanto Pedro, não descobriram a verdadeira identidade da pessoa na sua frente, por conta própria. Foi lhes revelada. Essa verdade é muito importante também para nós, para admitirmos as nossas limitações humanas em questão de reconhecimento da real identidade de outras pessoas. Com outras palavras, é o Espírito Santo que abre nosso coração e nossos olhos para o mistério do ser humano, para que vejamos nele a criatura amada e adotada por Deus como filho ou filha. Desta maneira somos curados de todo tipo de preconceito.

Anselm Grün, alemão, monge beneditino, autor de vários livros sobre a espiritualidade, num belíssimo – como sempre – texto, ajuda-nos a compreender melhor esse aspecto da Visitação de Nossa Senhora. É o trecho do livro “Festas de Maria” (Editora Santuário, Aparecida – SP, 2009). Maria transpõe uma alta montanha para chegar até Isabel. Entre nós e o outro frequentemente há montanhas de preconceitos e empecilhos, montanhas de pensamentos que nos impedem de chegar até o outro. (...) Precisamos transpor a montanha de nossos medos e bloqueios e os montes de nosso comodismo para chegar realmente ao outro. Quando tivermos saído de nós mesmos, então conseguiremos aproximar-nos do outro (...). Então encontramos no outro o mistério de Deus que supera sua inteligência. Agora reconhecemos ter encontrado a Mãe de Nosso Senhor. E desse encontro desperta em nós alguma coisa que ajuda a viver. O menino que está em nós pula; no outro, tocamos em nosso âmago. No encontro com o outro, encontramo-nos conosco mesmos, entramos em contato com a origem incorrupta e autêntica do nosso ser. Ao mesmo tempo, num encontro autêntico, abre-se para nós o mistério do outro. Percebemos quem ele é realmente, percebemos que nele a Mãe de Nosso Senhor vem a nós, que o mistério mais profundo do outro é o próprio Cristo. E assim, no encontro com o outro, tocamos no próprio Deus. O encontro autêntico faz os dois tocarem sempre num mistério que os ultrapassa: liberta densidade e presença, a ponto de o próprio Deus tornar-se experimentável. (p. 73-74)

30 de maio de 2011

o nó no lencinho



Lembro-me de um costume da minha avó. Era algo que, aparentemente, beirava o mundo de mágica ou superstição (pelo menos essa foi a percepção que tive naquela época, sendo um garoto de 10 anos). Ela fazia um nó na ponta do lenço – para não esquecer – como dizia. Nunca mais me esqueci disso, quer dizer, funcionou pelo menos neste caso! Trago aqui essa recordação para meditar um pouco sobre a festa de Pentecostes.

Estamos no final do tempo pascal e a nossa atenção volta-se aos preparativos para esse dia importante que, aliás, já existia na tradição dos judeus, séculos antes do nascimento de Jesus, como o festival da colheita. O nome grego (Pentecoste[s] / πεντηκοστή), conservado quase intacto também em nosso idioma, significa literalmente “quinquagésimo dia” (depois da Páscoa). No calendário dos judeus, são 50 dias depois do Êxodo (a libertação da escravidão egípcia) e a festa comemora, além da colheita, também a entrega do Decálogo (10 mandamentos) no Monte Sinai. Para nós, cristãos, é a comemoração da descida do Espírito Santo sobre apóstolos, reunidos com Maria, a Mãe de Jesus e com outros discípulos no Cenáculo. O dom anunciado por Jesus manifestou-se nesse dia em forma de vento forte e línguas de fogo que repousaram sobre cada um (cf. At 2, 1-41). Por sua vez, o nome “Cenáculo”, de origem latina, denomina o local onde foi realizada a Última Ceia. É o mesmo lugar em que tinham sido entregues os mandamentos a Moisés: o Monte Sião (na época de Moisés, em meio ao deserto; nos tempos de Jesus e até hoje, dentro da cidade santa de Jerusalém). Revela-se, também dessa maneira, o maravilhoso plano de Deus que ama o seu povo e, a partir de uma só nação, acolhe toda a humanidade. A festa cristã de Pentecostes é, de certo modo, a celebração do nascimento da Igreja que, existindo – digamos - em forma embrionária, em Jesus e no grupo de seus seguidores, tinha sido “dada à luz”, 50 dias depois da ressurreição de Cristo. Ao longo dos séculos, os cristãos concluem o período de celebração da Páscoa com intenso clamor: “Vinde, Espírito Santo!”. E Ele vem, com toda certeza, pois o dia da festa é, sobretudo, o momento da graça. Mas, é necessário lembrar, justamente nesse dia solene, que o Espírito Santo vem em todos os outros 364 dias do ano. A Igreja celebra periodicamente as solenidades, festas e memórias litúrgicas. Seja anualmente, como é o caso de Pentecostes (Natal, Páscoa, Ascensão do Senhor, etc.), seja semanalmente, como acontece em todo domingo, chamado também, a “Páscoa semanal”. A finalidade dessas celebrações pode ser resumida em três elementos: o culto prestado a Deus, a renovação da nossa fé e o aprofundamento de nossa compreensão dos mistérios divinos. A graça, em si, está sendo derramada permanentemente e não apenas no dia da festa. É importante lembrar-se disso, para viver o ano todo, a ressurreição de Cristo, assim como o seu nascimento ou, então, o derramamento do Espírito Santo. Há quem reze pela vinda do Espírito Santo apenas no dia de Pentecostes, enquanto deveria fazê-lo sempre.

A festa é como aquele nó na ponta do lencinho da minha avó. É para não se esquecer. Exatamente o mesmo acontece com centenas de comemorações anuais, também na sociedade laica. O homem que compra flores para uma mulher do dia 8 de março, mas desrespeita a mesma mulher todos os outros dias do ano, não entendeu nada da mensagem do Dia da Mulher. Também as suas flores não valem nada. E quem comemora, por exemplo, o Dia Internacional de Combate à Homofobia (17/05), mas, todo o resto do ano, não mexe um dedo sequer, pela mesma causa, também não entendeu nada. Neste caso, seria melhor nem comemorar.

consciência tranquila



Expulsar-vos-ão das sinagogas, e virá a hora em que aquele que vos matar julgará estar prestando culto a Deus. Agirão assim, porque não conheceram o Pai, nem a mim. Eu vos digo isto, para que vos lembreis de que eu o disse, quando chegar a hora. (Jo 16, 2-4a) Não sei se os autores de declarações escritas e faladas recentemente que incentivam a homofobia, usando argumentos bíblico-teológico-cristãos, são capazes de compreender esta mensagem de Jesus (é do Evangelho de hoje: Jo 15, 26-16, 4a). Desde os carrascos de Jesus e de Estêvão, ate os dias de hoje, só mudam as trajes dos religiosos que expulsam, condenam e matam, achando que estão prestando culto a Deus. A palavra, proclamada nas alturas de uma autoridade religiosa, tem o poder de matar. Ainda que nem sempre no sentido literal (graças a Deus). E o que, de fato, pode assustar, é tal de "consciência tranquila", diante de tudo isso. Dom Anuar Battisti, Arcebispo de Maringá-PR, escreve sobre o combate que se faz com fé e retidão observando valores e apostando no ser humano. Este artigo, "A consciência tranquila é o melhor travesseiro", pode ser lido aqui.

Diante da onda de "direitos", levando em conta os desejos e sentimentos, em nome da "liberdade de escolha" e do "livre arbítrio", a sociedade legítima comportamentos com base, apenas, na opinião de alguns. Entretanto, as consequências serão incontáveis e os desastres sociais incontroláveis. Portanto, analisar os recentes episódios que atacam os valores da Família, finalizo com a certeza de que a Igreja manifestou a sua contrariedade à decisão do Supremo Tribunal Federal. Nós, Igreja, também neste caso, "combatemos o bom combate". Nada melhor do que ter uma consciência tranquila.

Excelentíssimo Dom Anuar! O senhor pode ter certeza de que Saulo dormiu com consciência tranquila, depois da execução de Estêvão, pois tinha prestado culto a Deus. Pelo menos assim pensava, até a sua queda no caminho a Damasco...

29 de maio de 2011

lavagem cerebral

As tentativas de obter a definição do termo “lavagem cerebral” (conhecida também como reforma de pensamento, estupro da mente ou reeducação ideológica), remetem-nos ao passado sombrio do nazismo de Hitler, da União Soviética de Stalin e da “revolução cultural” de Mao Tsé-tung, entre outros, tristes marcos da história. Em seguida, aparece o assustador fenômeno (ainda atual!) das seitas religiosas, capazes de destruir a vida de seus adeptos. A respeito disso, vale à pena ler a matéria publicada no portal “Universo Católico” (aqui). O artigo menciona vários métodos de lavagem cerebral, entre os quais chamam minha atenção, especialmente:
1. Uso de estereótipos: O doutrinador utiliza estereótipos para criar impressões fixas sobre determinado grupo de pessoas ou povos. A propaganda incentiva o estereótipo, seja com conotações positivas ou negativas, para angariar simpatia à mensagem propagada e criar ou aprofundar a hostilidade a outras ideias. É a mais poderosa arma psicológica usada pelas seitas para incrementar o preconceito é criar estereótipos tanto para si mesma, e seus adeptos, quanto para seus rivais.
2. Seleção e indução: o doutrinador seleciona cuidadosamente a informação para que os pontos destacados estimulem os leitores ou ouvintes para as conclusões que, espera-se, eles atinjam. Informações são cuidadosamente omitidas quando são inúteis para influenciar a conclusão final. Indução é uma forma de argumentação onde toda a evidência (verdadeira ou falsa) é simbolicamente empilhada, em ordem, de modo que sejam lidas ou ditas uma a uma, em seqüência, fazendo com que no final a única conclusão, possível, seja aquela que o doutrinador quer ver aceita.
3. Distorções e falsidade: A falsidade é um método comumente usado pelos doutrinadores que fabricam, torcem, esticam ou omitem evidências utilizadas na doutrinação, obtendo resultados eficazes. É necessário para esse fim, dramatizar situações, ressaltar ou inventar fatos tendo em vista a despertar a ira e o desprezo de seus adeptos pelos oponentes. Não há limite ético ou moral nesse recurso, deseja-se apenas que o membro da seita acredite na mentira que lhe é passada, afinal, não dispondo de informações que contradigam os argumentos da seita, fatalmente o adepto não discutirá as fontes e nem a procedência da informação, principalmente quando vê citadas tantas fontes aparentemente fidedignas.
4. Repetição: o doutrinador usa a repetição para gravar a mensagem nas mentes da audiência. Joseph Goebbles, ministro da propaganda de Adolf Hitler, sustentava: "Se uma mentira for repetida mil vezes, sempre com convicção, tornar-se-á uma verdade". Portanto, se uma palavra ou frase for usada repetidas vezes, depois de algum tempo será aceita, tendo significado verdadeiro ou não.
5. A doutrina do medo: o mais terrível estágio da doutrinação que tem graves desdobramentos e, não raro, conduz a graves danos psicológicos e morais. O adepto é conduzido a ter medo da própria seita, não de forma direta, mas através de vários conceitos que lhe são impostos. A seita, a todo o tempo, se ocupa de manter sob seu controle os membros já conquistados.

Depois desta introdução, transcrevo alguns trechos do texto assinado pelo Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, Arcebispo de Sorocaba – SP. O seu artigo, sob o sugestivo título “Alerta aos Educadores”, encontra-se no site da CNBB (aqui):

Acabo de ler o seguinte conteúdo em Biblioteca Virtual Católica da Espanha: “As autoridades educacionais levam a pornografia e a masturbação à escola. Os professores obrigam meninos de 12 anos a examinar detidamente revistas pornográficas na classe. Isso está acontecendo na Espanha. Os professores obrigam os meninos em classe a falar de masturbar-se. A pornografia chegou à escola onde levamos nossos filhos..." (...) Sabemos que no Brasil há um grupo no Ministério da Educação que pretende impor às nossas escolas coisas muito semelhantes. (...) A propósito de medidas educativas para proteção das pessoas de condição homossexual, a presidente teria afirmado que o assunto deve ser mais debatido pela sociedade. Fica, pois, claro, que o que se propunha foi elaborado por um grupo restrito que não representa nem de longe o pensamento da maioria dos educadores de nosso país. (...) Na verdade a proposta do referido grupo tinha o objetivo de inculturar o homossexualismo - as práticas homossexuais - e não comprender a homossexualidade e como trabalhar a questão do ponto de vista pedagógico.

Gostaria de dizer ao autor do texto acima que a manipulação, irmã gêmea da mentira, é um dos métodos de lavagem cerebral. Com o seu artigo, o Arcebispo equiparou (de novo esta palavra!) a Igreja Católica às mais perigosas seitas (sem falar de Hitler, Stalin, Mao Tsé-tung e outros). Jesus disse: A verdade vos libertará. (Jo 8, 32) E, também: (O diabo) não se manteve na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele fala mentira, fala o que é próprio dele, pois ele é mentiroso e pai da mentira. (Jo 8, 44).

Quem quiser conhecer o propósito do kit anti-homofobia, ouça a entrevista com Juliana Luvizaro, emitida pela Rádio CBN:

28 de maio de 2011

os perseguidos

O Evangelho de hoje (Jo 15, 18-21) traz o anúncio de Jesus sobre as perseguições que sofreriam os seus seguidores. A mensagem é clara e refere-se aos cristãos perseguidos por causa do nome de Jesus.  Eu já imaginei, muitas vezes, as críticas de minhas reflexões bíblicas, publicadas neste blog, caso tivesse, entre os Leitores, alguém que segue a linha - digamos - politicamente correta da doutrina católica e, sobretudo, tem a mente fechada às considerações existenciais, feitas do ponto de vista de um homossexual. Aparentemente, não dá para equiparar (adoro esta palavra!) as perseguições de cristãos ao sofrimento de homossexuais, agredidos por aqueles que odeiam a sua identidade. Pensando bem, porém, acredito que dá. Primeiro: Jesus se dirige a seus discípulos, ou seja, às pessoas que acreditam nele e procuram segui-lo. Muitos homossexuais o fazem. Segundo: o mundo nos odeia, assim como odiou a Jesus (cf. v. 18). Outra coisa: os homossexuais, de certo modo, não pertencem a este mundo, pelo menos ao mundo de padrões sociais, comportamentais, etc. Somos diferentes e somos minoria. Por isso o mundo nos odeia. Agora vem a ideia, talvez, mais polêemica: no Evangelho, Jesus diz: eu vos escolhi e apartei do mundo (v. 19). Abre-se aqui a discussão sobre a origem de homossexualidade e sobre o seu lugar nos planos de Deus. Foi Ele que quis que eu fosse assim? Ou, pelo menos, permitiu? Eu acredito que sim, pois foi Jesus quem disse Não se vendem dois pardais por uma moedinha? No entanto, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do vosso Pai (Mt 10, 29). Seria absurdo dizer que a minha identidade sexual (que não depende da minha vontade) tenha "escapado " do controle de Deus. Por isso, a leitura daquela frase, pode incluir homossexuais, "escolhidos e apartados do mundo". Para finalizar, tenho mais um pensamento bastante polêmico. Um católico fundamentalista vai me dizer que, no texto, trata-se daqueles que estão sendo perseguidos "por causa do nome de Jesus" (cf. v. 21), ou seja, daqueles que acreditam e proclamam o nome do Senhor. Sem dúvida, essa é a primeira interpretação do texto. Mas, não necessariamente, única. Eu, como homossexual, posso ser odiado, desprezado e perseguido, "em nome de Jesus", sendo este nome usado (e abusado), justamente, por meus perseguidores. Jesus revela ainda a razão que move os perseguidores: Tudo isto eles farão contra vós por causa do meu nome, porque não conhecem aquele que me enviou (v. 21). Digam que não é verdade! Temos, portanto, a passagem inteira, interpretada sob um ângulo diferente. Que tal? Será uma heresia ou blasfêmia?

O Papa Bento XVI, no 2° volume do livro "Jesus de Nazaré" (Editora Planeta; São Paulo, 2011), diz: O anúncio do Evangelho permanecerá sempre sob o signo da cruz. Isso mesmo devem os discípulos de Jesus aprender novamente em cada geração. A cruz é, e continua sendo, o sinal do "Filho do homem": no fim de contas, na luta contra a mentira e a violência, a verdade e o amor não têm outra arma senão o testemunho do sofrimento. (p.55)

Mistérios, segredos e curiosidades


Aparentemente, estas três palavras podem, em certas circunstâncias, servir como sinônimos. Pelo menos as duas primeiras: mistério e segredo. No texto da I leitura de hoje (At 16, 1-10), entretanto, notamos a diferença. O mistério é algo divino, sobrenatural. É inexplicável (a não ser que Deus queira revelá-lo) e o homem não tem a ousadia de perguntar por quê. São estas palavras: O Espírito Santo os proibira de pregar a Palavra de Deus na Ásia (v. 6) e eles tentaram entrar na Bitínia, mas o Espírito de Jesus os impediu. (v. 7) Também a visão de um macedônio (v. 9) é um mistério. Experimentar a misteriosa presença de Deus na nossa vida é algo tremendamente fascinante (redundância proposital, pois faltam-me palavras). E como o homem é a imagem e semelhança de Deus, ele também tem seus mistérios, ou melhor, segredos. Paulo - para mim - era um homem divinamente misterioso e humanamente cheio de segredos. Não vou entrar no tema da suposta homossexualidade dele, mas a relação com Timóteo, mesmo nesse pequeno trecho, está recheada de mistérios (aliás: segredos). Paulo que acabara de brigar com os irmãos de origem judaica por causa do preceito de circuncisão, agora faz este ritual com o rapaz. Sei lá... E basta ler as suas cartas aos remetentes individuais (Timóteo, Tito, Filêmon), para ver como ele os tratava, em contraste com o tom da maioria de suas referências a mulheres. Na minha opinião, não é a questão de mentalidade patriarcal, típica aos judeus, nem de machismo ou anti-feminismo. É um dos segredos de Paulo. A curiosidade do texto, por sua vez, está na repentina mudança de forma gramática da narração. No início temos: Paulo foi...; Paulo e Timóteo transmitiam... e atravessaram...; eles tentaram... (vv. 1. 4. 6 e 7). No versículo 10, porém, lemos: Depois dessa visão, procuramos partir imediatamente para a Macedônia, pois estávamos convencidos de que Deus acabava de nos chamar para pregar-lhes o Evangelho. Todo mundo sabe que foi o Evangelista Lucas que, inspirado pelo Espírito Santo, escreveu Atos dos Apóstolos, como o segundo volume de sua obra (cf. At 1, 1). A ele, o Apóstolo Paulo, refere-se em suas cartas: “Lucas, o querido médico” (Col 4, 14), “Só Lucas está comigo” (2Tm 4, 11) e, na carta a Filêmon, Paulo menciona-o entre outros colaboradores: Marcos, Aristarco, Demas (Flm v. 24). Alguns autores e a própria lógica nos dizem que foi naquele momento que Lucas se juntou à equipe dos evangelizadores. Pode ser óbvio, mas não deixa de ser uma curiosidade.

Como diria Jô Soares, sem querer insinuar coisa alguma, já insinuando, estes são alguns dos mistérios, segredos e curiosidades que encontrei na I leitura de hoje. Mais tarde pretendo comentar o Evangelho (Jo 15, 18-21).

27 de maio de 2011

Verifique o seu amor

É uma sensação ímpar, poder dizer, de coração: EU TE AMO. Quem já experimentou isso, sabe de que estou falando. No início de um relacionamento bem-sucedido é mais comum e mais frequente que esta declaração aconteça. Depois, as coisas mudam e é feliz quem vê aquelas coisas mudarem apenas um pouquinho. Existem, certamente, vários fatores que contribuem para o enfraquecimento do amor. O primeiro perigo, em minha opinião, mora naquilo que, por natureza, seria algo super positivo: a segurança de ter finalmente conquistado o coração da pessoa amada. Quanto mais cresce essa segurança, costuma diminuir a preocupação, ou melhor, o zelo. Entra rotina assassina. Com ela, muitas vezes, infiltra-se a tentação de procurar aventuras por fora (como dizem, pular a cerca). E mesmo que consigamos resistir àquela tentação, com a rotina vem o descuido emocional: impaciência, irritação, cobranças, desentendimentos, brigas, etc. Bem, muito comum é, também, o tédio. Temos, portanto, uma trança maligna (não confunda com a transa) que, como a corda da forca, aperta o nosso pescoço. Ou melhor, o pescoço do nosso amor. Como evitar essa cilada? Os livros de “auto-ajuda” apontam como solução, o diálogo. Em parte, concordo com a ideia, mas gostaria de ampliá-la a um tipo diferente de diálogo. É o diálogo consigo mesmo. Este diálogo deve ser humilde, sincero e corajoso. A pergunta principal e frequente, é: Eu seria capaz de morrer pela pessoa amada? Podem surgir respostas esfarrapadas, do tipo: “Sim, mas, graças a Deus, não é necessário”. Neste momento é bom lembrar que se pode morrer de varias maneiras, quer dizer, em dimensões diversas. Ceder, é uma delas. Saber esperar é outra. Perdoar, mais uma. E assim por diante. Entretanto, o sentido mais exato e literal, é essencial. Pergunto-me, então, mais uma vez: estou disposto a dar a vida por aquele que amo?

Jesus disse: Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos. (Jo 15, 13)
E também: A palavra que eu falei o julgará no último dia. (Jo 12, 48)

Nova Cantuária

A liturgia de hoje (27/05) leva-me a refletir sobre o amor que se expressa no diálogo conduzido pelo Espírito Santo. A busca de soluções, diante dos desafios concretos e sempre novos, muitas vezes exige o sacrifício. Ainda que, frequentemente, não chegue ao extremo, o ideal proposto por Jesus de “dar a vida” (cf. Jo 13, 15), sempre se faz presente. A polêmica sobre os pagãos que abraçaram a fé em Cristo, relatada na liturgia desta semana, é o excelente exemplo. A questão começa com muita confusão e uma grande discussão (cf. At 15, 2). Depois houve testemunhos, um grande silêncio e a decisão final dos Apóstolos, ou melhor, do Espírito Santo junto com eles (cf. At 15, 4-29). Vale à pena transcrever as palavras de Paulo: Irmãos, vós sabeis que, desde os primeiros dias, Deus me escolheu, do vosso meio, para que os pagãos ouvissem de minha boca a palavra do Evangelho e acreditassem. Ora, Deus, que conhece os corações, testemunhou a favor deles, dando-lhes o Espírito Santo como o deu a nós. E não fez nenhuma distinção entre nós e eles, purificando o coração deles mediante a fé. Então, por que vós agora pondes Deus à prova, querendo impor aos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós mesmos tivemos força para suportar? Ao contrário, é pela graça do Senhor Jesus que acreditamos ser salvos, exatamente como eles. (At 15, 7-11). Certamente, não foi fácil modificar a mentalidade dos irmãos de origem judaica. Todos eles tinham recebido, com leite materno, a convicção de pertencer ao único povo escolhido por Deus. E agora, precisavam reconhecer o fim desta exclusividade, quer dizer, perder a vida para ganhar a vida (cf. Mt 10,39; 16,25; Mc 8,35; Lc 9,24; 17,33). Paulo define essa perda/conquista: Não há mais judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher, pois todos vós sois um só, em Cristo Jesus. (Gal 3,28) Portanto, não há diferença entre judeu e grego: todos têm o mesmo Senhor, que é generoso para com todos os que o invocam. (Rm 10, 12)

Este princípio de amor, capaz de dar a vida e de acolher irmãos diferentes, levou Santo Agostinho de Cantuária [Canterbury] (+ 604), celebrado hoje, a encarar a perigosa missão na Grã Bretanha, a pedido de seu pai espiritual, São Gregório Magno, o papa. No ano de 597, Agostinho e 40 outros monges beneditinos, ao desembarcarem, seguiram em procissão ao castelo do rei, tendo a cruz à sua frente e entoando cânticos sagrados. Não seria grande surpresa, se um desses cânticos tivesse sido o Salmo 56, proclamado hoje na liturgia: Meu coração está pronto, meu Deus, está pronto o meu coração! Vou louvar-vos, Senhor, entre os povos, dar-vos graças por entre as nações! Agostinho, com a ajuda de um intérprete, apresentou ao rei Etelberto o Evangelho e pediu permissão para pregá-lo em suas terras. Impressionado com a coragem e a sinceridade do religioso, o rei, apesar de todas as expectativas em contrário, deu a permissão imediatamente. No Natal do mesmo ano mais de dez mil pessoas já tinham recebido o batismo. Entre elas, o próprio rei e toda a nobreza da corte. Em seguida, Agostinho foi nomeado arcebispo da Cantuária, primeira diocese fundada por ele.

Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. (Jo 15, 16).

Santo Agostino é venerado, igualmente, por católicos e anglicanos, sendo assim uma referência no diálogo entre as duas Igrejas. Em 1982, o Beato Papa João Paulo II, durante sua viagem à Inglaterra, visitou o túmulo do Santo e, ali mesmo, encontrou-se com Robert Runcie, o 102° Arcebispo de Cantuária (leia o discurso do Papa aqui) e ambos assinaram a “Declaração Conjunta” (aqui) que, entre outras coisas, diz: O nosso objetivo não se limita apenas à unificação das nossas duas Comunhões, excluindo os outros Cristãos, mas antes estende-se ao cumprimento da vontade de Deus, a qual consiste na unidade visível de todo o seu povo. No presente diálogo, e nos que são desenvolvidos por outros Cristãos entre si e conosco, nós reconhecemos, nos acordos que pudermos alcançar e nas dificuldades que encontramos, um novo desafio a abandonarmo-nos completamente a verdade do Evangelho. Sem dúvida, a memória de Santo Agostinho e a recordação dos passos dados na história recente, inspiraram os trabalhos da Comissão Internacional Anglicano-Católica (ARCIC) reunida desde último dia 17/05, no mosteiro italiano de Bose. No comunicado final, divulgado hoje, a comissão composta por 18 teólogos católicos e anglicanos declarou que "aquilo que nos une é maior do que aquilo que nos divide" (palavras repetidas, no mesmo contexto do diálogo ecumênico, pelo Beato Papa João XXIII). O texto acrescenta ainda: Serão analisadas algumas questões particulares para esclarecer como as nossas duas comunhões abordam assuntos morais e como problemas que causam tensão para os anglicanos e católicos romanos podem ser resolvidos através da aprendizagem mútua.

Escrevo tudo isso com o propósito de sonhar junto com os meus Leitores. Já imaginaram a “Comissão Permanente”, composta por teólogos, representantes da hierarquia eclesial e... homossexuais? Parafraseando as palavras de João Paulo II, estamos de acordo que o momento é chegado de formar uma nova Comissão. A sua tarefa será a de continuar o trabalho já iniciado; de examinar, especialmente à luz das nossas respectivas opiniões, as principais diferenças doutrinais que ainda nos separam, em vista da sua eventual resolução; de estudar tudo o que impede o recíproco reconhecimento; e de recomendar que medidas hão de ser necessárias tomar quando, em base à nossa unidade na fé, formos capazes de prosseguir para o retorno a uma comunhão completa. Damo-nos perfeitamente conta de que a tarefa desta nova Comissão não será fácil, mas encoraja-nos a confiança que temos na graça de Deus. Enquanto continua este necessário trabalho de esclarecimento teológico, ela deve ser acompanhada pelo zeloso trabalho e pela fervorosa oração de todos os católicos, heterossexuais e homossexuais, pois eles precisam crescer na compreensão recíproca, no amor fraterno e no comum testemunho do Evangelho. Nessa ocasião, o Santo Padre, poderia repetir as palavras de seu grande predecessor, São Gregório Magno, escritas na ocasião daquela missão à Inglaterra: Cristo, o grão de trigo, caiu na terra e morreu para não reinar sozinho no céu. Por sua morte nós vivemos, por sua fraqueza nos fortalecemos, por sua paixão nos libertamos da nossa. Por seu amor procuramos (...) irmãos que desconhecíamos; por sua bondade, encontramos aqueles que procurávamos sem conhecer. (São Gregório Magno, Cartas).

Uma loucura

Hoje quase surtei. Tinha acabado de abrir a página da CNBB para ler a mais recente “voz da Igreja” (na onda da polêmica sobre uniões homoafetivas). Ao mesmo tempo, chegava aos meus ouvidos, o áudio da “propaganda partidária obrigatória”. Alguns minutos mais tarde, ouvi a Presidenta Dilma falando coisas estranhas. Conclusão: não entendi absolutamente nada. Nem do bispo, nem do PSOL, nem da Dilma. Ora, eu não fumei nehuma erva. Mas eles... não sei! Dom Antônio Augusto Dias Duarte (Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro), em seu texto “A Bíblia e o frei” (aqui), tenta ser eloquente, mas o fio condutor do discurso, acaba se emaranhando. Como em outros casos de artigos publicados pela CNBB, consegui pescar dois “peixinhos” (ou duas pérolas) - frases interessantes do autor: [1] Ainda há tempo – se alguns freis, alguns ministros de tribunais, alguns políticos, alguns padres e alguns pastores permitirem –, de recuperar plenamente o sentido da Bíblia como o grande código de vida para as culturas, incluindo aqui também a cultura gay, para pensar e direcionar melhor todas as considerações sobre a homossexualidade. [2] (...) A Bíblia sempre existirá para que cada pessoa, com suas particularidades e com sua história singular, reconheça-se e valorize-se como criatura de Deus e como filha no Filho Eterno do Pai por obra do Espírito Santo, a fim de que responda à vocação do amor e da comunhão nela inscrita e aceite a própria identidade sexual e a viva na sua especificidade e na sua complementaridade. Queira me desculpar Dom Antônio Augusto, mas o resto do texto é, para mim, uma confusão e tanto. Quem quiser, leia na fonte, sob a sua própria responsabilidade. O meu conselho é de desligar a TV e tentar se concentrar. O que aconteceu comigo foi ouvir duas vezes, no meio daquela leitura desafiadora, as exclamações de partidários do PSOL que pretendem defender “homens, mulheres e homossexuais”. Eu devo não ter escutado direito. Será possível? Pensando bem, é mesma lógica que o bispo usa em seu artigo e que, para contestar o fenômeno da homossexualidade, cita a Bíblia: “Deus disse: façamos o ser humano à nossa imagem e segundo a nossa semelhança (...). Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus os criou. Homem e mulher Ele os criou” (Gen 1, 25-27). Vale notar que essa é a principal argumentação dos religiosos, opositores da união afetiva de pessoas do mesmo sexo: Deus criou o macho e a fêmea (como gritavam os outdoors de Silas Malafaia, espalhados pela cidade). Isso significa que, na opinião deles, a pessoa homossexual não é homem nem mulher. Deve ser então um monstro! Ou bicho! Aí vem, depois, a Presidenta e diz que “não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais”. Por estar tentando, naquele momento, decifrar o propósito do texto de Dom Antônio Augusto, tive a impressão de que a Dilma havia se inspirado em uma das teorias do prelado: Em primeiro lugar, é politicamente inexato dizer que as pessoas nascem assim, pré-determinadas a uma biologia ou sujeitas necessariamente a uma definição cultural sobre a sua raça ou sobre o seu sexo. Quem diria que persiste ainda a ideia de que a identidade sexual seja uma opção, quer dizer, uma escolha. Putz! Se eu soubesse...

Corrija-me quem quiser!
Localize na web aquela propaganda do PSOL, porque eu possa não ter entendido direito.
Leia o artigo do bispo, porque eu fiquei perdido.
Tente interpretar as palavras da Presidenta, porque... sei lá!

Eu desisto...
Alguém tem um pouco de erva para compartilhar comigo?

26 de maio de 2011

Ajude a combater o preconceito

Pequenos gestos são capazes de promover grandes conquistas.
PARTICIPE !



25 de maio de 2011

A mola e a bola

Não pretendo entrar em detalhes da Terceira Lei de Newton (“Para cada ação há sempre uma reação, oposta e de mesma intensidade”), tampouco da Lei de Hooke (sobre a elasticidade de corpos). Estas e tantas outras leis e teorias procuram descrever e calcular os fenômenos que acontecem ao nosso redor. Não pretendo, também, escrever sobre coisas óbvias, embora tenha impressão de que o tal do óbvio não está tão evidente para muita gente. Gostaria de aplicar o método de Jesus para comentar certas situações e opiniões que, recentemente, ganharam bastante espaço na mídia, em nossas conversas e até em nobres salões onde estão sendo definidas as regras de vida. O método de Jesus chama-se parábola, parente próxima de alegoria. O Senhor dizia: vejam os lírios no campo, os pássaros, a mulher na cozinha e o rico que fazia festas todos os dias, etc. Por trás das figuras e imagens, surgia o mistério, revelado aos que tinham olhos para ver e ouvidos para ouvir. Muitos, porém, continuavam franzindo a testa e rangendo os dentes. O coração deles permanecia endurecido. Outros, enteretanto, ficavam fascinados com novos horizontes e abraçavam uma nova vida, nascida da nova visão. O primeiro fruto dessa boa-nova foi a alegria que nada e ninguém conseguia apagar. Tudo isso aconteceu há quase dois mil anos. Tudo isso está acontecendo hoje.

O portal católico Zenit publicou (em 27/02 – aqui) um texto que, entre outras coisas, afirma: Durante muitos anos, grupos homossexuais advogaram pela tolerância e pela eliminação das leis que eles consideravam discriminatórias. Agora que, em grande medida, eles venceram sua batalha, seu entusiasmo pela tolerância desapareceu. Os cristãos, que por razões de consciência sentem que não podem ser favoráveis ao comportamento homossexual, sofrem cada vez mais pressões.

Quando leio essas (e tantas outras) declarações de gente espantada e amargurada com o “avanço da minoria homossexual”, lembro-me, imediatamente, da mola e da bola. A bola quica e a mola se estica, depois de comprimida. É a coisa mais natural, previsível e comprovada pelas leis da física. Algo analógico acontece na história da humanidade. Basta ler um pouco de história, por exemplo, do ponto de vista de revoluções e guerras ou, simplesmente, de tantas transformações sociais, religiosas e políticas, mais ou menos pacíficas. A experiência de opressão, humilhação, persegição, etc., torna-se, em algum momento, a força da reação. Enquanto a Terceira Lei de Newton fala de "mesma intensidade", a força da reação social, geralmente, devolve com juros. É, justamente, como a mola. Comprimida e solta em seguida, a mola não volta, simplesmente, ao estado anterior de “relaxada”, mas pula mais alto e, só depois de alguns movimentos para cima e para baixo, alcança o equilíbrio. O que, no caso de mola ou bola acontece em poucos instantes, na história da humanidade leva bastante tempo. Podemos dizer que a comunidade GLBTS, oprimida por séculos, está ganhando a oportunidade de respirar. É claro que vai saltar o mais alto possível. Até mesmo para assegurar os seus direitos, negados por tanto tempo. Provavelmente, vai acontecer algum exagero, o que é natural. Exatamente, como aconteceu na abolição da escravatura, na emancipação da mulher, nos movimentos antirracistas, sem falar dos judeus, depois do Holocausto. Quem tem boa memória ou gosta de vasculhar a história, vai constatar que, em todos estes fenômenos, houve alguns equívocos. O mesmo acontece com a criança que começa a dar primeiros passos. Alguém viu uma criança que tenha desistido de ficar em pé por causa de tombos que levou? Como dizia Kleber Bambam do BBB-1, “faz parte”. Por isso, digo a todos os apavorados com as reivindicações da “lobby gay”: tenham paciência! Se vocês também colaborarem, em breve vamos alcançar o equilíbrio, desejado por todos. Haverá novo céu e nova terra. Nos parques da cidade veremos casais hetero e homossexuais, passeando de mãos dadas. Ninguém em nossas escolas vai ridicularizar e agredir os meninos efeminados e meninas com jeito de garoto. Em nossas festas de família haverá casais homossexuais e os pais irão convidar o namorado do filho para um churrasco. No exército, no futebol e em todas as outras áreas, ninguém vai ficar barrado no seguimento de sua carreira profissional. Haverá Pastoral para Homossexuais e os gays serão admitidos ao sacerdócio. Desaparecerão deputados idiotas e padres, jornalistas, professores (etc.) preconceituosos. Homossexuais poderão doar sangue.

Sonho? Delírio? Ou a lei da mola e da bola.
Se deixar quieto, haverá equilíbrio.

As vozes da Igreja [3]

O portal da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB - aqui), tornou-se ultimamente palco de debates sobre a homossexualidade. Vários prelados, certamente "pegaram a onda" e, como surfistas profissionais, deslizam pelo assunto que, recentemente, está - digamos - na moda. A unanimidade dos hierarcas da Igreja Católica do Brasil, revela-se apenas na repetição daquele (discutível) slogan de "não equiparar as uniões de pessoas do mesmo sexo à família". Fora disso, é pura diversidade (de opiniões). O Arcebispo de Uberaba (MG), Dom Aloísio Roque Oppermann, no artigo "O direito de ser protegida", usa a metade do texto para elogiar e defender homossexuais. É verdade que, no final dessa parte, aplica uma alfinetada (de duvidosa ironia), mas diante de tanto carinho anterior, quase não dá para senti-la. A segunda parte do texto já é outra história (aquela sobre "não equiparar"), embora apareça, como pérola no meio de bijuteria, um pensamento intrigante (sublinhado por mim). O artigo não é muito grande, por isso decidi transcrevê-lo na íntegra. Para quem quiser conferir na fonte, clique aqui.
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O direito de ser protegida
23 de maio de 2011
Dom Aloísio Roque Oppermann scj
Arcebispo de Uberaba - MG


Não vemos dificuldade em aceitar - como justiça líquida e garantida - que as pessoas que sentem atração sexual por representantes do mesmo sexo, sejam respeitadas. Na homofilia tratamos com seres livres, cuja dignidade humana não pode ser ferida. São seres humanos particularmente dotados para certas artes e ciências. São filhos e filhas de Deus. Não escolheram sua condição, e por isso “merecem ser tratados com respeito”, livres de “qualquer sinal de discriminação injusta” (Catecismo da Igreja Católica, nº 2358). Os motivos da tendência homossexual ainda são amplamente inexplicados, havendo razoável certeza em não atribuí-los a causas genéticas. Talvez a pedagogia futura saiba explicar melhor do que nós, a gênese da tendência. Então sim, existirá a possibilidade de escolha. Por enquanto, não devemos amargurar a vida dessas pessoas. A homossexualidade não é fenômeno moderno. Ela atravessa todos os tempos da história da humanidade, ora com presença mais explícita, ora menos acentuada. Entre eles há até grandes benfeitores da raça humana.


Mas no fragor dessa luta, todos devemos estar concordes em reconhecer o valor da instituição familiar tradicional, dessa união estável entre um homem e uma mulher. Inclusive os homossexuais vão me dar razão, pois eles provieram de uma união dessas. As diferenças sexuais do masculino e do feminino são originárias, e não produtos de uma cultura posterior, como querem alguns próceres da ONU. A família monogâmica, e o matrimônio natural entre um homem e uma mulher são a raiz fundamental de todo Direito. Segundo as Escrituras, são destinados a “serem uma só carne” (Gn 1, 27). Outros tipos familiares podem existir, mas não devem ser equiparados à Família, que é baseada na complementaridade dos dois sexos, à procriação e educação dos filhos. [1] Equiparar todos os tipos de união possível seria ameaçar a estabilidade do grupo primordial, que tem a capacidade única de integrar as gerações e acolhe-las. Ela recebeu de Cristo um privilégio inestimável de ter sua união elevada à categoria de Sacramento. O que não é o caso das outras uniões. A Família tem o direito de ser vigorosa e sadia. [2] Isso só será possível se receber a proteção privilegiada do poder público. Na atualidade se está vendo exatamente o contrário.
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Faço mais alguns comentários:
[1] Na minha opinião, da mesma maneira como não é necessário insistir (brigar) para dar à união de pessoas do mesmo sexo o nome de "matrimônio" (ou "casamento"), também podemos abrir mão do termo "família". Por que não dizer "comunidade", "núcleo", "círculo", etc.?. Por outro lado, a história (também da Igreja) mostra-nos que certos nomes, títulos e termos, originalmente reservadas para uma só realidade, acabaram espalhando-se por toda parte. Todos se lembram das palavras de Cristo: não chameis a ninguém na terra de mestre, pai ou guia (cf. Mt 23, 8-10). Entretanto, é justamente na Igreja que encontramos uma multidão de mestres, pais e guias. Como se Jesus falasse: você pode ser tudo, menos mestre, pai e guia. E hoje, os mesmos mestres, pais e guias dizem: esses uniões podem ser tudo, menos família. A solução é simples: vamos voltar à versão original. Eles renunciam os seus títulos e nós abrimos mão do termo "família". Está combinado?
[2] A família torna-se sadia, vigorosa e está protegida quando, por meio de uma evangelização levada a sério e, também, por meio das leis adquadas (civis e religiosas), está sendo preparada para acolher, com amor e respeito, os filhos (próprios e dos outros), inclusive os filhos e filhas homossexuais. A família é sadia e vigorosa quando, no processo de educação dos filhos (e também no habitual modo de pensar, falar e agir da própria família) exclui-se rigorosamente todo e qualquer tipo de preconceito. Também a homofobia.

24 de maio de 2011

Vamos orar?

O tempo pascal tem o seu desfecho na solene celebração do dia de Pentecostes (neste ano: 12/06). Cinquenta dias depois da ressurreição de Jesus, foi derramado o Espírito Santo sobre os apóstolos, reunidos no cenáculo com Maria e outros irmãos e irmãs. Tradicionalmente, no período de 9 dias que precedem a celebração de Pentecostes, os cristãos revivem a experiência dos discípulos de Cristo, em forma de uma novena. É o tempo particularmente dedicado à oração. Eu sei que muitos entre nós homossexuais vivem brigando com a Igreja e com Deus. Certamente, não são poucos, que abandonaram a oração. Aproveitando a proximidade do dia de Pentecostes, quero propor um renovado esforço na busca de espiritualidade, ou seja, de uma vida marcada pelo sincero e amoroso colóquio com Deus. Podem nos ajudar, neste sentido, as palavras do Beato João Paulo II, de sua Encíclica Dominum et vivificantem (aqui). Confesso que eu, como homossexual que acredita em Jesus e procura segui-lo, fico animado, ao identificar-me com a mensagem do Papa:
É belo e salutar pensar que, onde quer que no mundo se reze, aí está presente o Espírito Santo sopro vital da oração. É belo e salutar reconhecer que, se a oração se encontra difundida por todo o universo, igualmente difundida é a presença e a ação do Espírito Santo, que «insufla» a oração no coração do homem em toda a gama incomensurável das mais diversas situações e das condições, umas vezes favoráveis, outras vezes contrárias à vida espiritual e religiosa. Em muitos casos, sob a ação do Espírito, a oração sobe do coração do homem, apesar das proibições e das perseguições (...). A oração continua a ser sempre a voz de todos os que aparentemente não têm voz (...). O Espírito Santo é o Dom, que vem ao coração do homem ao mesmo tempo que a oração. Na oração Ele manifesta-se, antes de mais e acima de tudo, como o Dom, que vem em auxílio da nossa fraqueza. (n° 65)
Então, vamos orar?

Mandamentos de Jesus

Já começou terça-feira, mas eu ainda estou com o Evangelho de ontem na cabeça. Demorei,  porque fui jantar, numa churrascaria, com um amigo (aquele que, há uns anos, era mais do que amigo). Provavelmente ninguém vai acreditar, mas conversamos - entre outras coisas - sobre os pecados capitais, tais como a preguiça ou a gula, o que, naquelas circunstâncias, teve a sua base existencial. Enfim, além de barriga cheia demais, fiquei com a conclusão de que o "ex" é "ex" mesmo e não adianta insistir (desta vez nem tentei). Os nossos mundos se distanciaram. Sobrou uma amizade que talvez sobreviva ainda por muito tmpo, mas já posso notar os efeitos daquela distância crescente entre os nossos mundos.

Vamos, então, ao Evangelho de ontem. Jesus disse: Quem acolheu os meus mandamentos e os observa, esse me ama. Ora, quem me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele. (Jo 14,21-26). Fiquei pensando, quais são, exatamente, os mandamentos de Jesus? Ah, sim, os mandamentos de Deus (o Decálogo), pois Jesus é Deus. A resposta seria somente esta, ou há algo mais? Em seu ensinamento, o Senhor fez várias referências aos 10 mandamentos que Deus tinha transmitido ao Povo de Israel por intermédio de Moisés. Ao jovem que queria saber como alcançar a vida eterna, Jesus disse: "Guarda os mandamentos", indicando-os como base para uma decisão mais corajosa: vender tudo, distribuir entre os pobres e seguir o Mestre (cf. Mt 19, 16-22; Mc 10, 17-22; Lc 18, 18-23). Em outra ocasião, Jesus dedicou longo discurso ao entendimento mais profundo de alguns mandamentos (cf. Mt 5, 17-48). Enquanto, neste caso, podemos dizer que Jesus tenha "apertado o parafuso", muitas vezes chegou a ouvir duras críticas dos fariseus e mestres da lei, justamente, por ter "afrouxado" o mesmo parafuso. Numa visão geral, Jesus podia ser visto, tanto como um conservador, quanto um liberal. Com outras palavras: parece uma grande confusão. A chave para desvendar o dilema é aquela expressão única, à qual o próprio Cristo se refere como "o meu mandamento". Foi no cenáculo, horas antes de sua morte na cruz, que Jesus disse: Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros. (Jo 13, 34-35) Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. (...) O que eu vos mando é que vos ameis uns aos outros. (Jo 15, 12. 17) Notemos que a citação inicial desta reflexão pertence ao mesmo contexto daquela íntima e comovente conversa de Jesus com os discípulos, no cenáculo. É uma espécie de testamento. É, também, a resposta clara, a todas as dúvidas e críticas a respeito de sua doutrina sobre os mandamentos. Ele disse, em outra ocasião: Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para cumprir. (Mt 5, 17) Alguns tradutores preferem: Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição, o que pode significar, também, "levar à plena compreensão" (porque seria impossível cumprir, sem compreender). Parece confirmar isso mais uma afirmação de Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento! Esse é o maior e o primeiro mandamento. Ora, o segundo lhe é semelhante: Amarás teu próximo como a ti mesmo. Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos. (Mt 22, 37-40) À luz deste princípio entendemos o motivo de "apertar o parafuso", por exemplo, no mandamento "Não cometerás adultério": Ora, eu vos digo: todo aquele que olhar para uma mulher com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela em seu coração. (Mt 5, 28) Lembro-me de um amigo, gay, que disse ser possível que ele tenha cometido um monte de pecados, mas esse, de olhar para uma mulher daquele jeito, nem lhe passou na cabeça. Brincadeira à parte, Jesus aponta o perigo de instrumentalização (alguns dizem "coisificação") de outra pessoa (seja mulher ou homem), o que constitui uma das faltas graves contra o amor, mesmo que aconteça apenas no pensamento. Por outro lado, acusado de violar o preceito referente ao sábado (o dia santo dos judeus), Jesus denuncia a hipocrisia dos adversários: Em dia de sábado, o que é permitido: fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matar? (Mc 3, 4) Ou seja, no sábado e em qualquer outro dia, é preciso amar. Para concluir, tentando responder à pergunta inicial: "quais são os mandamentos de Jesus", leiamos o que Ele mesmo diz, nessa mesma passagem, lida na segunda-feira (Jo 14,21-26): Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada. (v. 23) Percebemos que, neste pequeno trecho, o termo "meus mandamentos", é apresentado como sinônimo de "minhas palavras". Entre todas as palavras de Jesus, registradas nos 4 evangelhos, aquelas que têm a forma de ordem, ganham, evidentemente, o maior destaque. Cito apenas algumas e digo que a leitura do Evangelho, sob este ângulo, é muito interessante (como costumam dizer os nossos jovens: fica dica!):
+ Segui-me! (Mt 4, 19)
+ Assim brilhe a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus. (Mt 5, 16)
+ Procura reconciliar-te com teu adversário. (Mt 5, 25)
+ Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não. (Mt 5, 37)
+ Ora, eu vos digo: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem! (Mt 5, 44)
+ De fato, se vós perdoardes aos outros as suas faltas, vosso Pai que está nos céus também vos perdoará. (Mt 6, 14)
+ Não julgueis, e não sereis julgados. (Mt 7, 1)

... e assim por diante...

22 de maio de 2011

Virar santo

A gente se diverte muito quando Jô Soares cita as “pérolas dos alunos”. Eu preciso aprender a rir das piadas involuntárias, fornecidas pela mídia. Por enquanto, fico irritado com a ignorância que reina nos meios de comunicação. A minha impaciência aumenta por causa do "tom de autoridade" dos apresentadores que (coitados), geralmente repassam os textos feitos pelos outros. Mas, não adianta: as abobrinhas, proclamadas com o ar de sabichão, tem o poder de me tirar do sério. Nestes últimos dias, em quase todos os noticiários, ouvimos sobre a beatificação de Irmã Dulce. Ainda bem que os jornalistas desistiram daquela afirmação ridícula que dizia: “No dia tal, o fulano será santificado pela Igreja” (referindo-se à beatificação ou canonização). Em vez disso, dizem que a Irmã Dulce está a um passo de se tornar (ou melhor: virar!) santa. O mesmo diziam sobre João Paulo II. Eles pensam que beatificação ou canonização torna alguém santo? Alguém já imaginou a Irmã Dulce, lá nos corredores do Céu, esperando por uma senha, emitida pelo Papa, para entrar? Vamos às definições. O Dicionário do Aurélio on-line (aqui) explica: Canonizar significa inscrever no número dos santos honrados com culto público. Uma fonte mais profissional, a Enciclopédia Católica Popular (aqui) diz: Canonização é o ato, desde o século XII reservado ao Papa, que inscreve um servo de Deus no cânone dos Santos, com a garantia de estar no Céu, de ser digno de culto público universal e de ser dado aos fiéis como celeste intercessor e modelo de santidade. Ora, declarar – neste caso – não é o mesmo que tornar. A Igreja, superando a sua limitação natural (humana), depois de um exigente processo canônico, autoriza os fiéis a prestarem culto a tal pessoa que, ao ser reconhecida virtuosa (santa), acredita-se que já tenha alcançado a glória do céu. Pressupõe-se habitualmente o reconhecimento de um milagre obtido por intercessão dessa pessoa. A diferença entre a beatificação e a canonização consiste, basicamente, no "tamanho" (extenção, abrangência) do culto e não - como muitos acham - no grau de perfeição da pessoa venerada, ou na quantidade de suas virtudes. Por isso, dizer que a Irmã Dulce, em breve, pode virar santa, é burrice. Ela já virou santa aqui, na terra. Agora, aos poucos, a Igreja está reconhecendo e confirmando isso, dando aos fiéis autorização para o culto público. O culto, aliás (ainda que informal ou privado), é o primeiro sinal para que a Igreja inicie o processo canônico. Vale lembrar aqui a figura do famoso "advogado do diabo" (em latim: advocatus diaboli), segundo algumas fontes, abolido em 1983, que tinha a função de investigar eventuais pistas do processo canônico que comprovariam quaisquer falhas na suposta santidade do candidato. Na realidade, tal oficial não tinha nada a ver com o diabo (apesar do termo usado), mas garantia a imparcialidade e autenticidade de todo o processo.
Voltando à expressão (tão querida pela mídia): "virar santo", vejo aqui certa analogia com o outro "virar", bastante presente na linguagem popular da nossa sociedade. Alguém já ouviu dizer do fulano que era gay e virou homem? Pois é, antes deve ter sido um mamífero da ordem dos artiodáctilos pertencentes, em senso estrito, à família Cervidae (popularmente conhecido como veado) e, de repente, virou homem. Só pode ser milagre. Mas, acontece também o contrario. O cara era homem e virou gay. Que decepção para as meninas! A analogia é clara. Ninguém "vira santo", no dia de sua beatificação ou canonização. Exatamente, como ninguém "vira gay", ao sair do armário. Em ambos os casos, trata-se de revelação ou de reconhecimento público. Já a história de alguém que era gay e "virou homem", é coisa do diabo. E nem precisa de advogado.

Cristo reduzido

Eu não tenho doutorado em teologia. A minha reflexão contém questionamentos, feitos por um cristão, que encontra dificuldades em entender e interpretar certas afirmações, referentes à fé. E quando faço comentários relacionados à obra de alguém que é considerado um dos maiores teólogos de hoje, admito, evidentemente, a minha desvantagem. Tenho em mãos o 2° volume do livro escrito pelo Papa Bento XVI, “Jesus de Nazaré” (Editora Planeta; São Paulo, 2011) e tomo a iniciativa de polemizar com o Autor, encorajado por uma das suas frases, encontradas bem no início do texto. Depois de dedicar a maior parte da Introdução aos teólogos, o Papa faz uma espécie de convite geral: Embora sempre continue, naturalmente, havendo detalhes a discutir, espero que me tenha sido concedido aproximar-me da figura de Nosso Senhor de um modo que possa ser útil a todos os leitores que queiram encontrar Jesus e acreditar n’Ele. (p. 14). E em sua entrevista com o jornalista alemão Peter Seewald, lançada em forma de livro (“Luz do mundo”; Editora Lucerna; Cascais, Portugal, 2010), Bento XVI diz: “Eu queria publicar o livro para ajudar as pessoas” (p. 163). Acho importante destacar este detalhe, porque a associação de um discurso, digamos obscuro, com o nome do autor deste porte, pode causar confusão na cabeça de um simples leitor. Corrija-me, quem quiser. Sinceramente, vou ficar muito grato por isso.

No primeiro capítulo, o Papa fala, entre outras coisas, sobre as profecias do Antigo Testamento e a sua plena realização na pessoa de Jesus. O trecho em questão (e em questionamento) é este: Jesus reivindica efetivamente um direito régio. Ele quer que se compreendam o seu caminho e as suas ações com base nas promessas do Antigo Testamento, que n’Ele se tornam realidade. O Antigo Testamento fala d’Ele; e vice-versa, Ele age e vive na Palavra de Deus e não segundo programas e desejos próprios. A sua pretensão baseia-se na obediência à ordem do Pai. O seu caminho situa-se no âmbito da Palavra de Deus. (p. 18) Para mim, da frase sublinhada, surge uma pergunta: Afinal, quem é Jesus? Não é Ele a Palavra se fez carne e veio morar entre nós? (Jo, 1, 14) E mais: a Palavra era Deus (...) Tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi feito de tudo o que existe. (...) Ela estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a reconheceu. (cf. Jo 1, 1b. 3. 10). O que, então quer dizer: Ele age e vive na Palavra de Deus e não segundo programas e desejos próprios, se Ele mesmo é a Palavra e se o plano da salvação de toda a humanidade é, justamente, o seu maior projeto e o mais ardente desejo. Até que alguém me prove o contrário, tenho a impressão de ver um Cristo reduzido, apenas, à natureza humana. Teria sido Ele um grande e dedicado servo de Deus que abriu mão de seus planos e desejos, um revolucionário carismático que, por seus méritos, recebeu o nobre título de Filho de Deus?

O Catecismo da Igreja Católica, entretanto, diz algo diferente: O acontecimento único e totalmente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado da mescla confusa entre o divino e o humano. Ele se fez verdadeiramente homem permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A Igreja teve de defender e clarificar esta verdade de fé no decurso dos primeiros séculos, diante das heresias que a falsificavam. (n° 464) Em seguida, o próprio Catecismo, menciona as principais heresias. O docetismo gnóstico, desde os tempos apostólicos, mais do que a divindade de Cristo, negava a sua verdadeira humanidade. Paulo de Samósata (séc. III) afirmava que Jesus teria sido o Filho de Deus por adoção e não por natureza. O arianismo (séc. IV) dizia que o Filho de Deus seria de uma substância diferente da do Pai. A heresia nestoriana via em Cristo uma pessoa humana unida à pessoa divina do Filho de Deus. Os monofisitas afirmavam que a natureza humana tinha deixado de existir, como tal, em Cristo, sendo assumida pela sua pessoa divina de Filho de Deus. No século V, alguns fizeram da natureza humana de Cristo uma espécie de sujeito pessoal. Diante de todas essas teorias equivocadas, a Igreja, por meio de concílios, dogmas e outros escritos, incessantemente confirmava (e confirma até hoje) que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. É verdadeiramente o Filho de Deus feito homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus, nosso Senhor. (cf. Catecismo da Igreja Católica, n° 465-469) Ainda hoje aparecem ideias de um “Cristo reduzido”, seja na teologia da libertação, seja na de prosperidade. Continua em vigor, portanto, a declaração do IV Concílio ecumênico de Calcedônia (ano 451): Na linha dos santos Padres, ensinamos unanimemente a confessar um só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, o mesmo perfeito em divindade e perfeito em humanidade, o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto de uma alma racional e de um corpo, consubstancial ao Pai segundo a divindade, consubstancial a nós segundo a humanidade, semelhante a nós em tudo, com exceção do pecado; gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nesses últimos dias, para nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria, Mãe de Deus, segundo a humanidade. Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único, que devemos reconhecer em duas naturezas, sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é de modo algum suprimida por sua união, mas antes as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas em uma só pessoa e uma só hipóstase. (Catecismo da Igreja Católica, n° 467)

Deu para acompanhar? Tudo bem - vai me dizer alguém – mas, por que razão, tudo isso teria tanta importância? Respondo: se Jesus Cristo pode ser reduzido dessa maneira, então TUDO pode ser reduzido. Digam que isso não acontece ou que, se estiver acontecendo, não faz mal a ninguém. Engana-se quem pensa assim. Vamos aos exemplos que interessam. Se reduzirmos o matrimônio apenas à procriação (como querem muitos), obviamente, não haverá mais motivo para discutir o “casamento gay”. Outra coisa é ainda mais grave e, infelizmente, mais comum: reduzir os homossexuais a sexo. Nesta altura, eu nem quero mais concordar com o termo “homossexual” porque ele me reduz a sexo. Eu juro que faço, também, algumas outras coisas na vida! Alguém já notou que, curiosamente, o termo “heterossexual”, não parece tão sexual )leia-se: indecente) quanto o “homossexual”? Há quem veja os homossexuais, exclusivamente, pelo prisma das “paradas de orgulho gay”, ou seja, como um bando de palhaços (semi)nus, pintados em cores estranhas, fazendo bagunça na rua. Eu gosto de brincar e adoro sexo. Mas, pelo amor de Deus, não sou só isso! Não admito ser reduzido a isso! Mas, como escrevi antes, se Cristo pode ficar reduzido, todo o resto também pode. É a questão da mentalidade humana, influenciada por aqueles que possuem algum tipo de autoridade. Voltando ao livro do Papa, tenho uma intuição de que existam vários e sérios argumentos para debater a minha crítica, pelo menos do ponto de vista teológico. O meu questionamento, porém, é de natureza, digamos, pedagógica. Não questiono tanto o que Bento XVI escreveu, quanto a maneira equivocada de enxergar a pessoa de Jesus, por causa daquelas suspeitas afirmações.

Quem me vê

Disse Felipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces, Felipe? Quem me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes: ‘Mostra-nos o Pai’? Não acreditas que eu estou no Pai e o Pai está em mim?" (Jo 14, 8-10a) Há um tempo, escrevi alguma coisa sobre o pedido de Felipe (aqui). Hoje proponho a reflexão sobre a resposta de Jesus: Quem me viu, viu o Pai. Podemos ler esta frase no contexto das palavras do Prólogo de João: A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigênito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer (Jo 1,18). Em primeiro instante, parece ser uma contradição, mas não é. Podemos dizer assim: Deus que nos criou à SUA imagem e semelhança, revela-se, em Jesus, à NOSSA imagem e semelhança. E isso não quer dizer que Ele seja "só isso" (por mais belo que Jesus tenha sido). Trata-se, sobretudo, de um modo de olhar. É a questão de COMO se vê e não apenas O QUÊ se vê. Aliás, Deus ensina o homem a olhar assim já bastante tempo. No Antigo Testamento temos, por exemplo, a história de Samuel que foi enviado a Belém para escolher o sucessor do rei Saul. O profeta ficou fascinado com a formosura dos rapazes, filhos de Jesse, vendo-os desfilarem na sua frente. Mas o Senhor disse-lhe: “Não te impressiones com a sua aparência, nem com a sua grande estatura; não é este que eu quero.. Meu olhar não é o dos homens: o homem vê a aparência, o Senhor vê o coração”. (1Sm, 16, 7) Já sabemos de onde Antoine de Saint-Exupéry titou a inspiração, para escrever, no "Pequeno Príncipe": Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer. E Jesus, ao censurar os seus oponentes, referia-se também a este fenômeno: Tendo olhos, não enxergais (cf. Mc 8, 18). E disse aos seus seguidores: O olho é a lâmpada do corpo. Se teu olho é são, todo o corpo será bem iluminado; se, porém, estiver em mau estado, o teu corpo estará em trevas. Vê, pois, que a luz que está em ti não sejam trevas. Se, pois, todo o teu corpo estiver na luz, sem mistura de trevas, ele será inteiramente iluminado, como sob a brilhante luz de uma lâmpada. (Lc 11, 34-36) Embora a interpretação mais exata indique o olho que pertence ao próprio corpo, a conexão "olho - corpo", pode ser estendida, também, a outras pessoas, o que parece sugerir o início do texto: Se teu olho é são, todo o corpo será bem iluminado. Todo e qualquer corpo é iluminado quando o nosso olhar é sadio. Vemos aqui uma solução, tanto para os males de cobiça puramente carnal, quanto para todo tipo de preconceito que se inspira naquilo que vemos (o racismo é um exemplo "clássico", por ter a cor da pele como diferencial). Lembro-me, neste contexto, de uma confissão que fiz, há vários anos, na época das minhas descobertas (e primeiras experiências) homossexuais. Para começar a conversa "temática", disse ao sacerdote (que já me conhecia): "Padre, eu tenho tendências homossexuais". Ele respondeu: "Nossa! Você nem parece ter esse problema". Pois é, pelo menos no meu caso, "o essencial é invisivel aos olhos". Por algum motivo, não tenho os famosos "trejeitos efeminados". Inspirado nas palavras de Jesus ("quem me viu, viu o Pai"), pergunto: quem me vê, vê o quê (ou quem)? E, mesmo se tivesse tais trejeitos, seria visto de que maneira? Tenho consciência de ser impotente perante o modo com o qual os outros me enxergam. O que posso (e devo) fazer, é aprender a ver além das aparências. Percebo certa analogia da frase "quem me viu, viu o Pai", com a outra de Jesus, que diz: Quem receber em meu nome esta criança, estará recebendo a mim mesmo. E quem me receber, estará recebendo Aquele que me enviou. (Lc 9, 48) Entre "receber" e "perceber" não há tanta diferença. Por isso digo: o ideal é que eu, ao olhar alguém, veja Jesus e, vendo-o, enxergue o próprio Pai. Assim serei capaz de amar. Amar de verdade. Se, em vez disso, eu me apaixonar apenas pelo corpo de alguém, tal paixão terá somente um destino: a frustração. E se eu despresasse alguém, devido à sua homossexualidade, ou então, ao seu  jeito efeminado (como, inclusive, muitos gays declaram e fazem), não mereceria ser considerado  um seguidor de Cristo.

21 de maio de 2011

Irmã Dulce

Deixo aqui alguns pensamentos da Irmã Dulce - o Anjo Bom do Brasil:
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O amor supera todos os obstáculos,
todos os sacrifícios.
Por mais que fizermos,
tudo é pouco
diante do que Deus faz por nós.
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Ame simplesmente,
porque nada nem ninguem
pode acabar com um amor sem explicação!
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Só com amor, fé e dedicação
é possível transformar a realidade em que vivemos.
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O importante é fazer caridade,
não falar de caridade.
Compreender o trabalho em favor dos necessitados
como missão escolhida por Deus.
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Tudo o que vai com Deus e com fé vai bem.

19 de maio de 2011

Abuso de menores

No dia 17 de maio foi celebrado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Nesta ocasião foram divulgadas as estatísticas com dados alarmantes. O Disque Direitos Humanos, conhecido como disque 100, registrou 12.487 casos de abuso sexual de crianças em 2010. Até março deste ano, foram registrados 4.205 casos de violência sexual contra ciranças e adolescentes. Uma pesquisa realizada no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) revela que o combate e a prevenção de abusos sexuais a crianças precisam ser feitos, principalmente, dentro de casa. Segundo o estudo, quatro de cada dez crianças vítimas de abuso sexual foram agredidas pelo próprio pai e três, pelo padrasto. As estatísticas fornecem, neste sentido, a seguinte porcentagem:
- o pai é o agressor mais comum (38% dos casos)
- o padrasto (29%)
- o tio (15%)
- o primo (6%)
- o vizinho (9%)
- o desconhecido (3%)
Diante destes dados, impressiona-me a campanha midiática relacionada aos abusos sexuais de menores, cometidos por membros do clero católico, como se fossem os únicos. ATENÇÃO: como escrevi no texto de 07 de maio (aqui), a minha intenção não é justificar os culpados (pois a responsabilidade de um sacerdote, diante de Deus e dos homens, é muito maior!), mas buscar uma perspectiva livre de sensacionalismo e anticlericalismo. Ou seja, livre de preconceito. Isso mesmo! Em nosso "mundo gay", às vezes, temos (ou criamos) a impressão de que existe um só preconceito: a homofobia. De fato, não somos os únicos discriminados e apresentados como monstros. Uma parte da sociedade, com o uso e o apoio da mídia, promove uma mentalidade anticlerical e, no sentido mais amplo, anticristã. Não preciso dizer que a mesma mentalidade predomina entre homossexuais. Eu sei que as razões de aversão à Igreja (religião, Deus, clero, etc.) são, muitas vezes, mais profundas, mas, sem dúvida, a lavagem cerebral, promovida pela mídia mundial, não deixa de causar danos ainda maiores. Como se faltassem outros motivos, também por causa disso, é tão difícil para os cristãos - gays, lésbicas, etc. - manter a sua identidade (e/ou religiosidade). Quem realmente está interessado no assunto, já sabe que a Igreja Católica tomou várias iniciativas em questão de prevenção e combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. A Congregação para a Doutrina da Fé publicou, no último dia 16 de maio (com a data de 03/05), A Carta Circular para ajudar as Conferências Episcopais na preparação de linhas diretrizes no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos (aqui). Também as Igrejas locais procuram realizar trabalhos neste sentido. O portal de notícias da Igreja Católica "Zenit" (aqui) traz o exemplo dos Estados Unidos. O comunicado de Dom Timothy Dolan, arcebispo de Nova York e presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, traz o resultado de uma pesquisa sobre os casos de abusos sexuais por parte de clérigos entre 1950 e 2010. Uma das conclusões do estudo diz que não há uma causa única que tenha conduzido aos abusos. Nem o celibato, como alguns sugeriam, nem a homossexualidade, com diziam outros, foram apontados como a razão pela qual uma pessoa abusa sexualmente de um menor. As causas estariam relacionadas a vulnerabilidades concretas dos sacerdotes, junto com determinados contextos e oportunidades. As mudanças sociais e culturais nas décadas de 1960 e 1970 manifestaram um aumento dos níveis de comportamento deturpado na sociedade em geral e também entre os sacerdotes. Dom Dolan disse que na Arquidiocese de Nova York se deram “muitos passos para combater este mal”, sobretudo “oferecendo ambientes seguros para as crianças”. “Além disso, nosso programa de formação no seminário tem exames rigorosos e um desenvolvimento humano e emocional mais intenso, para preparar melhor os futuros padres.” Dom Dolan explicou também o procedimento seguido pela Arquidiocese diante de uma denúncia de abuso: o primeiro passo é encorajar a pessoa que denuncia a informar imediatamente à polícia. “Se a Arquidiocese tem razões para crer que houve um abuso, ela entra em contato imediatamente com as autoridades civis”, cooperando com elas no esclarecimento dos fatos. Se um sacerdote for culpado de um caso de abuso de menores que seja, nunca lhe será permitido voltar a exercer o ministério.

18 de maio de 2011

Sodoma - uma evolução

Há três semanas, o Papa Bento XVI, iniciou uma nova série de catequeses, proferidas - de costume - em todas as quartas-feiras no Vaticano. O tema deste novo cíclo é a oração. Hoje (18/05), o Papa dedicou o seu discurso à figura de Abraão, como modelo de intercessor, no contexto de sua oração pelas cidades de Sodoma e Gomorra (cf. Gn 18). O texto, na íntegra, pode ser encontrado no site da Canção Nova (aqui), pois o portal do Vaticano publica, no momento, apenas um resumo. O que chama minha atenção é o fato de não haver no texto qualquer menção, nem mesmo alusão, que associasse o pecado dos habitantes daquelas cidades à homossexualidade. Vale lembrar que o Catecismo da Igreja Católica (redigido sob o comando do então Prefeito da Congregação Para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI), no número 2357, faz essa associação, ao dizer: Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a Tradição sempre declarou que «os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados» (a nota, no rodapé, menciona, entre outros textos, Gn 19, 1-29 [a destruição de Sodoma e Gomorra]). E na Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais (aqui), assinada pelo mesmo Cardeal Ratzinger, lemos a seguinte afirmação: O deterioramento devido ao pecado continua a desenvolver-se na história dos homens de Sodoma (cf. Gn 19, 1-11). Não pode haver dúvidas quanto ao julgamento moral aí expresso contra as relações homossexuais. (n° 6) O curioso da catequese de hoje é que o Santo Padre, ao falar sobre a mesma história bíblica, limita-se a seguintes termos:
- narra-se que a malvadeza dos habitantes de Sodoma e Gomorra havia chegado ao seu ápice, tanto que se tornou necessário uma intervenção de Deus para realizar um ato de justiça e parar o mal, destruindo aquelas cidades
- Deus decide revelar-lhe [a Abraão] aquilo que está para acontecer e lhe faz conhecer a gravidade do mal e as suas terríveis consequências
- o pecado (...) invadiu a realidade do homem 
- Abraão compreende imediatamente o problema em toda a sua gravidade
- se a cidade é culpável, é justo condenar o seu crime e infligir a pena
- Com a sua oração, portanto, Abraão não invoca uma justiça meramente retributiva, mas uma intervenção de salvação que, tendo em conta os inocentes, liberte da culpa também os ímpios, perdoando-os
- não se podem tratar os inocentes como os culpáveis
- se os malfeitores aceitam o perdão de Deus e confessam as culpas deixando-se salvar, não continuarão mais a fazer o mal, tornar-se-ão também esses justos, sem mais necessidade de serem punidos
- A destruição de Sodoma devia parar o mal presente na cidade
- É o perdão que interrompe a espiral do pecado
- O mal, de fato, não pode ser aceito, deve ser assinalado e destruído através da punição: a destruição de Sodoma tinha exatamente essa função
- nem mesmo dez justos se encontravam em Sodoma e Gomorra, e as cidades foram destruídas
- as cidades estavam fechadas em um mal totalizante e paralisante
- é dentro da realidade doente que deve estar aquela semente do bem que pode curar e restituir a vida

Pois bem, há quem diga: "O Papa não falou sobre o homossexualismo porque todo mundo sabe que se trata disso mesmo!" Além de preferir o termo "homossexualidade" (em vez daquele "-ismo"), eu não concordo com essa ideia. Ao evitar aquela infeliz associação de Sodoma com a homossexualidade, o Papa - pelo menos - abre espaço para outras interpretações, ou seja, volta à leitura objetiva (imparcial) da Bíblia. No contexto um pouco diferenta (mas no mesmo texto da catequese), Bento XVI usa seguintes termos: "Se lemos, no entanto, mais atentamente o texto, damo-nos conta de que...". É, exatamente, isso! Ler mais atentamente, para darmo-nos conta de que a passagem bíblica em questão não faz a mesma associação que os fundamentalistas homofóbicos fazem. Este, aliás, é o convite que o Papa dirigiu, no final da catequese de hoje, aos peregrinos de língua portuguesa: Convido-vos a aproveitar o percurso que faremos nas próximas catequeses para conhecer melhor a Bíblia, que tendes – penso eu – em casa. Durante a semana, parai um pouco a lê-la e meditá-la na oração para aprenderdes a história maravilhosa da relação entre Deus e o homem: Deus que Se comunica a nós, e nós que Lhe respondemos rezando. Sereis assim uma bênção no meio dos vossos irmãos, como foi Abraão. A Virgem Mãe vos guie e proteja!