ESTE BLOG NÃO POSSUI CONTEÚDO PORNOGRÁFICO

Desde o seu início em 2007, este blog evoluiu
e hoje, quase exclusivamente,
ocupa-se com a reflexão sobre a vida de um homossexual,
no contexto de sua fé católica.



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25 de outubro de 2011

o que realmente importa


Transcrevo o texto de Dom Orani, Arcebispo do Rio (os grifos são meus).

No último final de semana, comemoramos o Dia Mundial das Missões e celebramos o XXX Domingo do Tempo Comum. A Palavra de Deus deste final de semana nos convida a ir para a própria essência da nossa vida cristã e religiosa, trazendo para o centro da nossa reflexão e meditação o preceito do amor, que tem duas direções distintas e inseparáveis: o amor a Deus e o amor aos irmãos. Duas direções que estão integradas em um caminho de santidade e purificação, tendo os olhos fixos naquilo que realmente importa na vida humana e cristã: amar a todos e sempre, a qualquer pessoa, mesmo aquele que possa ser nosso maior inimigo.


Não é fácil viver de amor e no verdadeiro amor! É sempre mais fácil viver de amores superficiais e passageiros, inconclusivos, e que produzem apenas algum momento de prazer. O amor verdadeiro, que usa a linguagem de Cristo e é centrado em Cristo, nos convida a subir até o cume do Calvário, onde ele se manifesta como uma oblação, da obediência total à vontade de Deus, como uma resposta consciente de que Deus nos ama e nos ama tanto a ponto de dar o seu Filho por nós.

Amarás com todo... com todo... com todo ... Três vezes Jesus repete o convite à totalidade, ao impossível. Porque o homem ama, mas somente o amor de Deus é pleno e eterno, aquele que é o próprio Amor. Repete dois mandamentos antigos e bem conhecidos, mas acrescenta: o segundo é semelhante ao primeiro. Deduz-se com isso que o próximo é semelhante a Deus: este é o escândalo, a revolução trazida pelo Evangelho.

Amar a Deus com todo o coração. Ainda assim o coração dever amar o marido, a esposa, o filho, o amigo, o vizinho, e até mesmo o inimigo. Deus não rouba seu coração, Ele o multiplica.

Não é subtração, mas adição de amor! A novidade do cristianismo não é o mandamento de amar a Deus: amam o seu Deus muitos homens; fazem isso os místicos de todas as religiões. Mesmo aquele de amar o próximo como a si mesmo, já que está presente no Antigo Testamento. A novidade do cristianismo é o amor como aquele de Cristo. Os homens amam, os cristãos amam ao modo de Jesus. O amor é Ele quando lava os pés dos seus discípulos, quando chora pelo amigo morto, quando se alegra pelo nardo perfumado de Maria, quando se dirige ao traidor chamando-o de amigo e ora pelos que o matariam. Nem mesmo o seu sangue mantém para si mesmo, e recomeça pelos que estavam condenados, e tem a intenção de apagar o próprio conceito de inimigo. Amai-vos como eu vos amei. Não quando, mas como; não a quantidade, mas o estilo. Impossível amar quanto Ele, mas podemos seguir os seus passos para compreender o sabor, o fermento, o sal, e inseri-los em nossos dias: como eu fiz, vocês também devem fazer.


Amarás... Todo o nosso futuro está em um verbo, apresentado, porém, não como uma liminar, um imperativo nítido, mas conjugado no futuro, porque amar é uma ação interminável, pois vai durar tanto quanto perdurar o tempo e perdurará para a eternidade. Não uma exigência, mas uma necessidade para a vida, como respirar.

Amar, voz do verbo viver, voz do verbo morrer! O que devo fazer amanhã, Senhor, para estar vivo? Tu amarás. O que farei no mês seguinte ou no próximo ano, e depois, para o meu futuro? Tu amarás. E a humanidade, o seu destino, a sua história? Somente isso: o homem amará. Amar significa não morrer! Vai também e faze o mesmo e encontrarás a vida.


O Evangelho de Mateus deste final de semana, em sua extrema brevidade, é tudo o que pode e deve dizer-se sobre o significado da nossa fé e da nossa esperança. Aos presumidos mestres do tempo de Jesus era bem conhecida a lei de Deus a esse respeito. Já no Antigo Testamento, Deus tinha dado a conhecer os seus pensamentos através dos patriarcas, dos profetas, e tinha colocado no centro da religiosidade do seu povo o amor para com Deus sem limites, sem restrições, sem parcialidade ou reducionismo em todas os sentidos. Se o primeiro e fundamental mandamento do "Eu sou o Senhor vosso Deus, não terás outros deuses além de mim", deve ser traduzido em estilo de vida e de comportamento, ele só pode ser amor e só amor, porque Deus é Amor e Nele está a fonte de todo amor verdadeiro. Isso é bem diferente das paixões e das caricaturas de amor que permeiam a nossa sociedade. Jesus, nesta circunstância, dirige-se aos fariseus em resposta à sua pergunta específica. Não há muito para discutir sobre o tema sobre qual é o maior mandamento – é o amor a Deus e aos irmãos!

Tudo aqui em um nível conceitual e de mensagem e até poderíamos dizer: sob um plano jurídico. O problema é como traduzir este amor ao nível de princípio inspirador da fé e do nosso comportamento cotidiano. Desse mandamento depende a sabedoria, a organização, a perspectiva de cada pessoa e cada instituição. Deus reina onde há paz, justiça e a fraternidade. Onde impera o egoísmo reina a divisão da luta fratricida.

Eis porque já no livro do Êxodo, primeira leitura da Palavra de Deus deste final de semana, somos lembrados de como se traduz em obra o amor pelos outros. Em resumo, disse exatamente isso: que no coração de uma pessoa que ama existe a atenção para o estrangeiro, o órfão, a viúva, o forasteiro que está com problemas de toda espécie, principalmente no econômico. O amor não permite descontos e exceções, todos podem e devem ocupar um lugar especial em nossos corações e em nossas afeições e pensamentos. Ninguém deve ser excluído do nosso amor arraigado em Jesus Cristo.
É uma questão de tornar visível este amor através do testemunho da nossa vida. E, neste domingo, São Paulo Apóstolo nos lembra disso na passagem da Primeira Carta aos Tessalonicenses. Quem coloca Deus no centro de sua vida abandona o caminho do mal e da idolatria, que hoje são o dinheiro, o poder, o prazer, o sucesso, a carreira, a posição social e tudo o que é exterioridade.

Para vivermos em estado permanente de missão e com coragem testemunharmos o Senhor Ressuscitado, presente entre nós, somos chamados a viver com alegria o amor a Deus e ao próximo. Quem assim vive e é testemunha é missionário.

Que o Senhor nos livre de um egoísmo cada vez mais prevalente e emergente em todos os setores. Eis por que as nossas orações dirijam-se ao Senhor com todas as nossas boas intenções e nosso desejo sincero de fazer o bem: "Ó Pai, que fazeis todas as coisas por amor e sois a mais segura defesa dos humildes e dos pobres, dai-nos um coração livre de todos os ídolos para servir somente a Vós e amar nossos irmãos e irmãs segundo o Espírito do vosso Filho, fazendo do mandamento novo a única lei da vida" Amém.

Dom Orani João Tempesta,
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro.

17 de outubro de 2011

O Ano da Fé

O Vaticano divulgou hoje a Carta Apostólica "Porta fidei" ("A porta da fé"), com a qual o Papa Bento XVI proclama o Ano da Fé. Trata-se de período de 11 de outubro de 2012 (50º aniversário de abertura do Concílio Vaticano II) a 24 de novembro de 2013, Solenidade de Cristo Rei do Universo. "Será um momento de graça e de empenho para uma sempre mais plena conversão a Deus, para reforçar a nossa fé n'Ele e para anunciá-Lo com alegria ao homem do nosso tempo", explicou o Papa durante a Missa de encerramento do Encontro Novos Evangelizadores para a Nova Evangelização, que presidiu neste domingo, 16/10, na Basílica de São Pedro no Vaticano.

Leia a Carta do Papa aqui.

Para o contexto deste blog, achei muito interessante o seguinte trecho do texto de Bento XVI (os grifos são meus):

O Ano da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o testemunho da caridade. Recorda São Paulo: «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor 13, 13). Com palavras ainda mais incisivas – que não cessam de empenhar os cristãos –, afirmava o apóstolo Tiago: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda! Poderá alguém alegar sensatamente: “Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé”» (Tg 2, 14-18).

A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra de realizar o seu caminho. De fato, não poucos cristãos dedicam amorosamente a sua vida a quem vive sozinho, marginalizado ou excluído, considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a socorrer, porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo. Em virtude da fé, podemos reconhecer naqueles que pedem o nosso amor o rosto do Senhor ressuscitado. «Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40): estas palavras de Jesus são uma advertência que não se deve esquecer e um convite perene a devolvermos aquele amor com que Ele cuida de nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o seu próprio amor que impele a socorrê-Lo sempre que Se faz próximo nosso no caminho da vida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando «novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Pd 3, 13; cf. Ap 21, 1). ["Porta fidei", n. 14]

Agora (e sempre) a questão é de os católicos e demais seres humanos de boa vontade seguirem o ensinamento do Papa...

5 de outubro de 2011

o povo GLBTS

São Benedito, celebrado hoje, nasceu na Itália por volta do ano de 1526 no seio de família pobre, descendente de escravos oriundos da Etiópia, daí o fato de ser chamado de Benedito, o Preto ou Mouro. Uniu-se aos eremitas organizados por São Jerônimo de Lanza por desejar entregar-se a uma vida de maior perfeição cristã, já que eles viviam conforme a regra de São Francisco de Assis, tanto assim que foi a sua observância que mereceu o cargo de superior daquela corporação de eremitas. Assumiu com dedicação e responsabilidade o cargo de mestre de noviços, e terminando o seu tempo de superior, voltou com a máxima simplicidade e naturalidade para os serviços da cozinha, onde ficou até a sua morte, em 05 de abril de 1589.

A oração da Missa diz: Ó Deus, quem em são Benedito, o Negro, manifestais as vossas maravilhas, chamando à vossa Igreja homens de todos os povos, raças e nações, concedei, por sua intercessão, que todos, feitos vossos filhos e filhas pelo batismo, convivam como verdadeiros irmãos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

A expressão “homens de todos os povos, raças e nações” chamou a minha atenção. Primeiro, fui procurar no Dicionário do Aurélio (on-line aqui). Povo s.m. Conjunto de homens que vivem em sociedade. / Conjunto de indivíduos que constituem uma nação. / Conjunto de indivíduos de uma região, cidade, vila ou aldeia. / Conjunto de pessoas que não habitam o mesmo país, mas que estão ligadas por sua origem, sua religião ou por qualquer outro laço. / Conjunto dos cidadãos de um país em relação aos governantes. / Conjunto de pessoas que pertencem à classe mais pobre, à classe operária ou à classe dos não-proprietários; plebe. / Lugarejo, aldeia, vila, pequena povoação: um povo. / Público, considerado em seu conjunto. / Multidão de gente, as massas. / Fam. Família, a gente da casa.

Daí o termo que usei no título desta postagem: “o povo GLBTS”. Ainda que existam diferenças de pensamento e de comportamento, além de certas animosidades (talvez inevitáveis por ora), sem dúvida podemos falar de um “povo”. Se, portanto, Deus quis formar a Igreja de todos os povos, obviamente, é impossível excluir dessa realidade o povo GLBTS. Quem procura fazê-lo, esta pecando contra a vontade de Deus.

Os textos oficiais da Igreja católica, naquele seu típico estilo medroso (pois vai muito além de cautela), mencionam indiretamente a existência de tal “povo”. Infelizmente, tudo o que tem de dizer nesse assunto, a Igreja faz em tom de advertência. Vejamos uns trechos da “Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais”, assinada em 1986 pelo então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, atual Papa Bento XVI (na íntegra aqui):

(...) Um número cada vez mais largo de pessoas, mesmo dentro da Igreja, exerce fortíssima pressão para levá-la a aceitar a condição homossexual como se não fosse desordenada e a legitimar os atos homossexuais. Os que, no interior da Igreja, pressionam nesta direção, frequentemente mantêm estreita ligação com os que agem fora dela. Ora, tais grupos externos são movidos por uma visão oposta à verdade acerca da pessoa humana, verdade que nos foi revelada plenamente no mistério de Cristo. Embora de modo não de todo consciente, eles manifestam uma ideologia materialista, que nega a natureza transcendente da pessoa humana bem como a vocação sobrenatural de cada indivíduo. (...) Mesmo dentro da Igreja formou-se uma corrente, constituída por grupos de pressão com denominações diferentes e diferente amplitude, que tenta impor-se como representante de todas as pessoas homossexuais que são católicas. Na realidade, seus adeptos são, na maioria dos casos, pessoas que, ou desconhecem o ensinamento da Igreja, ou procuram subvertê-lo de alguma maneira. Tenta-se reunir sob a égide do catolicismo pessoas homossexuais que não têm a mínima intenção de abandonar o seu comportamento homossexual. Uma das táticas usadas é a de afirmar, em tom de protesto, que qualquer crítica ou reserva às pessoas homossexuais, à sua atitude ou ao seu estilo de vida, é simplesmente uma forma de injusta discriminação. Em algumas nações funciona, como consequência, uma tentativa de pura e simples manipulação da Igreja, conquistando-se o apoio dos pastores, frequentemente em boa fé, no esforço que visa mudar as normas da legislação civil. Finalidade de tal ação é ajustar esta legislação à concepção própria de tais grupos de pressão, para a qual o homossexualismo é, pelo menos, uma realidade perfeitamente inócua, quando não totalmente boa. (nn. 8-9)

Alguns grupos costumam até mesmo qualificar de «católicas» as suas organizações ou as pessoas às quais pretendem dirigir-se, mas, na realidade, não defendem nem promovem o ensinamento do Magistério; ao contrário, às vezes, atacam-no abertamente. Mesmo reafirmando a vontade de conformar sua vida ao ensinamento de Jesus, de fato os membros desses grupos abandonam o ensinamento da Sua Igreja. Este comportamento contraditório de forma alguma pode receber o apoio dos Bispos. (n. 14)

Deve ser retirado todo apoio a qualquer organização que procure subverter o ensinamento da Igreja, que seja ambígua quanto a ele ou que o transcure completamente. Tal apoio, mesmo só aparente, pode dar origem a mal-entendidos graves. Uma atenção especial deveria ser dedicada à programação de celebrações religiosas e ao uso, por parte desses grupos, de edifícios de propriedade da Igreja, inclusive a possibilidade de dispor das escolas e dos institutos católicos de estudos superiores. Para alguns, tal permissão de utilizar uma propriedade da Igreja pode parecer apenas um gesto de justiça e de caridade, mas, na realidade, ela contradiz as finalidades mesmas para as quais aquelas instituições foram fundadas, e pode ser fonte de mal-entendidos e de escândalo. (n. 17)

Para que não fiquemos totalmente desanimados, termino com outra citação. É do livro de Pe. José Lisboa “Acompanhamento de vocações homossexuais” que, partindo do principio de que “nada impede, nem mesmo uma aprovação pontifícia, que uma lei eclesiástica se torne obsoleta” (p. 72; leia também aqui), apresenta as seguintes orientações:

[Entre outros, um] caso emblemático é aquele da pessoa homossexual que decide viver a sua vocação cristã participando de um movimento de pessoas homossexuais. Quando isso acontece, o papel do animador ou da animadora vocacional é, em primeiro lugar, lembrar ao vocacionado ou vocacionada que tal participação não é algo eticamente neutro. Esse fato tem consequências, especialmente quando se trata de alguém que ocupa uma função paradigmática dentro da comunidade eclesial. Uma vez colocada essa premissa, a pessoa que acompanha quem está em discernimento precisa ajudá-lo a verificar atentamente qual a ideologia que está por trás do movimento. Será indispensável que a pessoa tome consciência do grau de liberdade que o envolvimento num movimento desse tipo deixa para os seus participantes. Às vezes a participação cm associações desse tipo, sobretudo quando são de inspiração cristã, pode ajudar a superar uma serie de dificuldades, especialmente o problema da solidão sofrida pelos homossexuais, em razão do isolamento da sociedade provocado pela discriminação e pelo preconceito. Porém, há casos de grupos fechados e desorientados, verdadeiros guetos, bastante complicados. Estes mais do que ajudar a resolver os problemas só fazem aumentar as dificuldades. Especialmente para aquelas pessoas que ainda não superaram certas dificuldades provenientes da descoberta da sua condição de homossexual.

Thévenot [Pe. Xavier Thévenot, professor de Teologia Moral no Instituto Católico de Paris] acredita que se o homossexual tem clareza da sua situação, conhece bem o ambiente, é capaz de avaliar as propostas do grupo e é suficientemente maduro para reagir a toda tentativa de manipulação e de fechamento do movimento, nada o impede de participar do mesmo. Todavia, lembra ainda esse autor, seria aconselhável que esse não fosse o único compromisso social da pessoa e que ela pudesse avaliar a sua participação com outros cristãos que não fazem parte do movimento homossexual. (pp. 78-79)

4 de outubro de 2011

honestidade intelectual

Um sujeito que se apresenta no twitter como "Sacerdote incardinado na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro", escreve, entre outras bobagens:

Ser de direita significa lutar até o derramamento de sangue contra a gayzificação da sociedade brasileira. [aqui cabe a pergunta: trata-se de sangue de quem?]
Ser de direita significa defender a família, os valores do trabalho, da dignidade, da honra, da pátria, de Deus, ser homofóbico.
Ser de direita significa ser católico tradicional, odiar comunistas, judeus, maçons, a democracia como tal.

É óbvio que não preciso ler essas coisas. Por outro lado, o twitter - neste caso - é público. Quando pensei em mencionar esse lamentável fato por aqui, vinha-me à mente e expressão do tipo: "tenho pena desse padre, vamos orar por ele". Mas, foi então que me lembrei de uma expressão do Padre José Lisboa (leia aqui): "a honestidade intelectual". Em nome da mesma, não posso dizer que o sentimento que brota do meu coração é a pena. Pois, é raiva mesmo. Isso me assemelha àquele canalha? Acho que não. A diferença entre raiva e ódio é muito grande. Conclusão: antigamente eu acreditava que não existem pessoas essencialmente más. Eu era muito ingênuo na época...

O Papa disse


Transcrevo um trecho da recente alocução do Papa Bento XVI, feita na ocasião do Ângelus, neste domingo (02 de outubro). O texto na íntegra pode ser lido aqui. Os grifos são meus.

Ele [Cristo] é “a pedra que os construtores rejeitaram” (cf. Mt 21,42), porque o julgaram como inimigo da lei e perigoso para a ordem pública, mas Ele mesmo, rejeitado e crucificado, ressuscitou, tornando-se a “pedra angular” na qual podem se apoiar com absoluta segurança os fundamentos de cada existência humana e do mundo inteiro.

Preciosas palavras, mas quem é que sabe ouvir...?

2 de outubro de 2011

O princípio da EPIKÉIA

Recebi o comentário no meu texto anterior (aqui) do Pessoal da Diversidade Católica (conheça o blog aqui) e como o assunto é sério e amplo (certamente não para uma simples "resposta ao comentário"), decidi transcrever aqui alguns trechos do livro "Acompanhamento de vocações homossexuais" (autor: Pe. José Lisboa Moreira de Oliveira). Os grifos no texto são meus.

Uma parte do comentário que recebi diz: É sempre bom quando se percebe que a homoafetividade e o homoerotismo não são problemáticos em si; a grande delicadeza da doutrina do Magistério, hoje, é justamente a premissa de que o homoerotismo é desordenado e, portanto, o homoafetivo deve manter o celibato... Qual a posição desse autor a respeito?

O livro é tão bom que a sinto vontade de transcrevê-lo, praticamente, na íntegra. Como, porém o conceito de um blog não permite isso, vou me controlar [:)] e citar algumas partes mais importantes. O autor fala várias coisas sobre a homoafetividade e o homoerotismo. É verdade que o livro – em sua maior parte - aborda o tema de acompanhamento vocacional destinado àqueles que são chamados ao sacerdócio ou à vida religiosa, mas não deixa de apontar os princípios para o mesmo trabalho para com os católicos leigos que, igualmente, são chamados a diversos ministérios dentro da comunidade cristã.

Padre José Lisboa declara abertamente que não existem razões suficientes para se excluir alguém das nossas comunidades por causa do seu jeito atual de viver a sexualidade. Todavia, a acolhida não deve acontecer por motivos de piedade, como se a pessoa homossexual fosse alguém miserável, pecador público degenerado, que precisasse de pena e de misericórdia da nossa parte. Acolhe-se a pessoa porque é humana e porque ela é portadora de dignidade e de valores, independentemente daquilo que ela seja. As pessoas homossexuais são portadoras de qualidades e de talentos que não se encontram com facilidade no comum dos mortais. (p. 12)

Quanto ao próprio acompanhamento vocacional, o autor diz: O importante em tudo isso é que a animação vocacional contribua efetivamente para que o vocacionado ou vocacionada homossexual descubra a verdade acerca da sua situação e queira acolher essa verdade. A partir disso poderá fazer uma verificação profunda sobre a possibilidade ou não de abraçar um tipo específico de vocação. Certamente as exigências e as futuras responsabilidades de cada vocação específica são bem diferentes. Aquelas dos leigos e das leigas não são as mesmas da vida consagrada e do ministério ordenado. E vice-versa. Mas os vocacionados e as vocacionadas não podem ser enganados. Não devemos esconder deles as reais dificuldades que poderão enfrentar. (...) Quando há fortes indícios de que a pessoa não tem a mínima estrutura para assumir um tipo de vocação específica, é melhor ajudá-la a repensar o seu projeto. Fazer o contrário é enganar os vocacionados e as vocacionadas homossexuais e contribuir para futuras histórias sofridas e desastrosas. (p. 38)

E agora chegamos ao que interessa: “O acompanhamento de vocações homossexuais inclui também um itinerário voltado especificamente para os cristãos leigos e as cristãs leigas. ‘Se todas as pessoas são pensadas e queridas por Deus, antes mesmo de serem concebidas, como não admitir que Ele tenha planos para elas e também para elas tenha previsto alguma missão? Ninguém vem ao mundo por acaso, e, por isso mesmo, nos planos de Deus ninguém está sobrando’ [Antonio Moser*; “O enigma da esfinge: a sexualidade”, p. 258]. Este princípio teológico justifica a elaboração de um projeto de animação vocacional que contemple o acompanhamento de vocacionados e vocacionadas homossexuais leigos e leigas. (...) O animador ou a animadora vocacional deve ter presente que nem sempre é fácil para as pessoas cumprir determinadas exigências. Muitas vezes certas teorias são elaboradas por burocratas aos quais não falta nada. É muito fácil impor, aos outros, normas que nunca seremos obrigados a cumprir. Mas na prática a teoria é outra. Deve-se então, nesse tipo de acompanhamento vocacional, evitar fardos pesados insuportáveis que nós mesmos não seríamos capazes de carregar (cf. Mt 23, 1-4). (...) Não se pode falar de salvação quando o rigorismo e a rigidez transformam a vida da pessoa num verdadeiro inferno. (...) O trabalho do animador ou da animadora vocacional é contribuir para que cada vocacionado ou vocacionada, particularmente os homossexuais, sejam sensíveis à própria consciência e a sigam fielmente. Assim sendo, deve-se ter muito cuidado para não tentar violentar a consciência das pessoas, tentando impor a todo custo as concepções pessoais. É claro que existe a objetividade dos princípios e das normas. Mas esta serve tão-somente para o bem das pessoas. Em última instância, é o ser humano que decide diante de Deus. (...) Ninguém pode ser forçado a agir contra a sua consciência. (...) À luz da experiência de fé, a homossexualidade se transforma em uma forma concreta de se relacionar co Deus. De fato, vivendo com muita humildade, buscando o equilíbrio na vivência da sexualidade, superando toda forma de conformismo, mas também de perversão ou laxismo, a pessoa homossexual pode chegar a uma verdadeira experiência mística, percebendo-se como alguém amado por Deus. E a partir desta experiência poderá amar de verdade as pessoas, sem angústia e sem manipulações. Basta que para isso o homossexual tenha sido ajudado a libertar-se tanto da imagem de um Deus castrador como da atitude orgulhosa que leva ao fechamento e à auto-suficiência.

(...) O acompanhamento vocacional de homossexuais torna-se mais complexo quando o vocacionado ou vocacionada, a partir da sua convicção de fé, no uso de sua liberdade, decide assumir comportamentos considerados mais ousados e que fogem dos padrões comumente aceitos pela maioria da população católica. Neste caso, é necessário que o animador ou animadora vocacional tenha uma profunda maturidade humana e afetiva, sexual e cristã, para poder continuar realizando a sua missão sem traumas e sem preconceitos. Quem acompanha esses casos, sem deixar de considerar as indicações da fé cristã e as orientações da Igreja, precisará de uma grande liberdade interior para não sucumbir diante das provocações do vocacioando ou vocacionada, como também diante do rigorismo e da intransigência da lei eclesiástica. Vale mais uma vez recordar que a lei existe para promover o bem das pessoas e não o contrário. Alguém, motivado pela fé e pela consciência, pode, muitas vezes, fazer algo diferente daquilo que a lei determina. E na maioria das vezes o faz de um modo mais perfeito. Quando isso acontece tal pessoa está revelando os limites da lei. De fato, é sempre possível que uma lei se torne obsoleta no sentido que não responde mais à sua finalidade que é o bem e a salvação das pessoas. E quando algo se torna antiquado e não mais colabora para a salvação das pessoas precisa ser mudado. E, normalmente, alguém tem de correr esse risco de romper com o estabelecido, mesmo sob a pena de carregar o estigma de herético ou blasfemador. Foi o que aconteceu com Jesus. Nada impede, nem mesmo uma aprovação pontifícia, que uma lei eclesiástica se torne obsoleta. Por isso em todos os casos a lei da vida precisa ser sempre aplicada. Quando a lei não facilita o desenvolvimento da fé, da vida, da graça e da salvação ela não tem mais sentido. No acompanhamento vocacional o animador ou animadora não pode esquecer que a própria moral cristã sempre defendeu o direito a epikéia. Esta á, antes de tudo, uma atitude da pessoa que, olhando para a ordem estabelecida e confrontando-a com a sua situação concreta e para a realidade que lhe cerca, resolve ir além do ordenamento jurídico. É claro que existe sempre o risco do individualismo e do laxismo. Para não cair nesse perigo, a pessoa, antes de decidir avançar, precisa avaliar a sua atitude honestamente, com retidão, sem fazer pouco das normas, das leis e da autoridade. Isso tudo pode trazer conflito, inclusive com as autoridades estabelecidas, mas o princípio da epikéia afirma que a coisa mais importante não é pura e simples fidelidade à lei, mas a fidelidade à própria realidade, guiada pela retidão de consciência e pela decisão de obedecer a um apelo interior. (...) A epikéia, como atitude virtuosa, exige a prontidão para ousar. Em linha de princípio, corre-se este risco em toda situação que esteja sob a legislação positiva. Isto porque, segundo Santo Tomás de Aquino, em todo o campo do direito, a virtude da epikéia é o guia. (...)

Temos de partir do princípio que nem todas as pessoas têm o carisma do celibato. Por isso pode acontecer que um homossexual não consiga permanecer sem a convivência com alguém. A Igreja Católica propõe, por meio de seus documentos, que os homossexuais cristãos pratiquem a castidade. Isso é muito fácil quando não se está na pele da outra pessoa. Mas, como vimos antes, na prática é tudo muito complicado. Como exigir a continência de sujeitos que estão profundamente convencidos de não poder conservá-la e que sabem, ao mesmo tempo, que não podem casar? (pp. 71-74)

Padre José Lisboa cita um dos “casos emblemáticos”, aquele da pessoa homossexual que, sabendo da sua condição, decide em consciência formar um casal com outra pessoa do mesmo sexo, pretendendo continuar a viver como cristão. (...) É importante considerar esse caso porque a legislação de muitos países e a consciência coletiva tendem a aceitar cada vez mais essa situação como normal. E muitos cristãos homossexuais não chegam a formalizar a união por causa do medo de serem afastados da comunidade cristã. No processo de discernimento, o animador ou animadora vocacional precisa propor algumas considerações importantes ao vocacionado em questão. Não será suficiente o argumento do pecado, da condenação e da proibição, uma vez que essa pedagogia normalmente produz efeito contrário, levando a pessoa a uma vida até mais permissiva do que antes. Começando sempre pela reflexão sobre a fidelidade ao projeto de vida plena que Deus tem para cada pessoa, o animador ou animadora pode e deve interrogar o vocacionado sobre suas intenções, sobre o conceito de fidelidade, sobre o sentido da vida a dois. Não deve deixar de lado a proposta do ensinamento da Igreja sobre a questão. Além disso, pode e deve refletir sobre a importância da satisfação plena na realização do ato sexual, uma vez que existe o risco de não haver plena complementação no encontro íntimo entre pessoas do mesmo sexo. As pesquisas feitas por Thévenot** indicam que muitos casais homossexuais não se sentem satisfeitos com a relação e por isso se separam muito rápido. Há casos em que a insatisfação é tão grande que a pessoa, mesmo vivendo com alguém, busca com muita frequência relações sexual-genitais com outras pessoas. Porém, com muita honestidade, é preciso dizer que não faltam exemplos de casais homossexuais que conseguiram fazer uma experiência profunda de Deus-Amor. Para alguns, a vida a dois foi como que uma “terapia da vida”. Mas para chegar a isso tiveram que superar dolorosamente muitos desafios e cultivar muitos valores cristãos entre os quais o perdão, o desprendimento, a pobreza interior. Tiveram de ir além da “paixão fulminante” para abrir-se mais ao dom da ternura, da renúncia de um relacionamento perverso. Certamente não vivem uma união idílica. Permanecem nessas situações difíceis de carência e limites. É preciso confessar, com Thévenot, que, apesar de tudo, é possível encontrar hoje neste tipo de união pessoas vivendo com dignidade a vida cristã.

Existem autores que evocam também para esse caso o princípio da epikéia já mencionado anteriormente. Partem do princípio tomístico de que a verdade e a retidão não são iguais para todos. Por isso, em determinadas situações é possível transgredir legitimamente a lei para salvar o bem das pessoas. Todavia, lembram esses autores, para que o princípio da epikéia possa ser aplicado corretamente é indispensável que a decisão passe pelo crivo da razão, a qual tem a função de regular sabiamente as inclinações e paixões humanas. Não bastam o instinto e a paixão desmedida. De acordo com o mesmo princípio tomístico todas as vezes que agimos sem consultar a razão cometemos um pecado. [comentário no rodapé: Thévenot acredita que por honestidade intelectual este princípio tomístico não pode ser aplicado ao caso dos homossexuais porque, segundo Tomás, a razão da relação sexual reside na conservação da espécie. Hoje, porém, a reprodução não é mais considerada a razão exclusiva da relação sexual (cf. Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 48). Também por honestidade intelectual é preciso dizer que, biblicamente falando, a relação sexual é destinada antes de tudo à superação da solidão: “Não é bom que o homem esteja só. Vôo fazer uma auxiliar que lhe corresponda” (Gn 2, 18). O filho é a consequência e não a razão principal da relação sexual entre duas pessoas que verdadeiramente se amam.]

Portanto, no acompanhamento vocacional se abre uma brecha para evitar todo tipo de condenação. O papel do animador ou da animadora vocacional não é de ser porta-vos de Satanás, o acusador dos irmãos e irmãs (cf. AP 12, 10), mas de ser mensageiro da salvação trazida por Cristo: “Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que justifica? Quem condenará? Cristo Jesus, que morreu, mais ainda que tenha ressuscitado e está à direita de Deus, intercedendo por nós?” (Rm 8, 33-34). Vimos anteriormente que também as pessoas homossexuais são queridas por Deus e não estão sobrando no mundo. O papel de quem acompanha essas pessoas é ajudá-las a chegar o máximo possível à meta que nos é proposta. (pp. 75-78)
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Notas (minhas)
* Frei Antônio Moser é Diretor Presidente da Editora Vozes, professor de Teologia Moral e Bioética no Instituto Teológico Franciscano (ITF) em Petrópolis/ RJ, Membro do Conselho Administrativo da Diocese de Petrópolis/ RJ, Pároco da Igreja de Santa Clara, Diretor do Centro Educacional Terra Santa, Membro da Comissão de Bioética da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Coordenador do Comitê de Pesquisa em Ética da Universidade Católica de Petrópolis (UCP), além de conferencista no Brasil e no exterior. Escreveu 25 livros, participou como co-autor e colaborador de inúmeros e publicou incontáveis artigos científicos em revistas nacionais e internacionais. Atualmente desenvolve intensa atividade pastoral, sendo um dos principais especialistas brasileiros em Pastoral Familiar e Bioética.

** Pe. Xavier Thévenot, eminente professor de Teologia Moral no Instituto Católico de Paris, membro da Congregação Salesiana. Os Salesianos de Dom Bosco se dedicam particularmente à educação da juventude, o que dá maior autoridade e crédito a esse autor, em termos de educação da sexualidade.